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Contos de Hollywood #05 | Nove histórias escondidas atrás das referências de ‘Hollywood’, a minissérie de Ryan Murphy

Hollywood‘, produção da Netflix produzida por Ryan Murphy, retrata a Los Angeles dos anos 1940, em pleno período da chamada “Era de Ouro” do cinema americano. Um período em que toda a produção e distribuição dos filmes era controlada pelos grandes estúdios. Sabemos que a Hollywood da época não gostava de gente que não fosse branca, nem de homossexuais (não abertamente, pelo menos) e mulheres não tinham voz nas decisões. O que Katharine Hepburn fez em 1940 quando tomou todas as decisões criativas do sucesso Núpcias de um Escândalo, por exemplo, foi algo raríssimo, uma exceção à regra. Mulheres geralmente também não tinham esse poder.

Pois é justamente esse fator que Ryan Murphy aborda nesta minissérie de sete capítulos. Em Hollywood, o produtor mistura ficção e realidade para reescrever a história enquanto tenta fazer justiça poética às minorias (embora tenha ficado “palestrinha” demais nesse ponto), concedendo-lhes todo o espaço e brilho que não possuíram na realidade, especialmente à Anna Mae Wong e a Rock Hudson. Ela finalmente recebeu reconhecimento, enquanto Hudson pôde viver abertamente como gay. A realidade, no entanto, foi bem mais dura e cruel do que a minissérie deixa transparecer.

O mais encantador sobre Hollywood é a quantidade de referências a pessoas e situações reais da época. Atrás desses artistas, existem histórias não reveladas de bastidores que são interessantíssimas, mas mencionadas rapidamente pela minissérie, por motivos óbvios. O foco ali é outro. Veja abaixo nove histórias desconhecidas escondidas atrás de referências apresentadas na minissérie:

 

Peg Entwistle

Who Is Peg Entwistle? The Real Story of the Hollywood Sign Girl

‘Peg’ é o título do roteiro escrito por um dos personagens fictícios de Hollywood. A história gira em torno de uma atriz frustrada com a carreira que morre ao se jogar do famoso letreiro de Hollywood. Muitos não sabem, mas a história é 100% verídica.
Na sexta-feira, dia 16 de setembro de 1932, a atriz Peg Entwistle disse ao tio que sairia para encontrar uma amiga. O tio não sabia, mas só tornaria a ver a sobrinha na segunda-feira seguinte, quando foi reconhecer o corpo dela no necrotério.
Peg tinha apenas 24 anos, só um filme no currículo (o fracasso Thirteen Women) e uma carreira promissora nos palcos da Broadway.
Peg era inglesa, filha de um casal de atores que se divorciou quando ela ainda era criança. Veio para os EUA com o pai, que manteve a guarda dos filhos do casal após a separação. Ele foi morto em um acidente de carro em 1922, fato que levou Peg e os irmãos a morarem com o tio. Ela começou a atuar aos 17 anos na Broadway e logo começou a chamar a atenção em papeis cômicos de loira ingênua. Casou-se aos 19 com o ator Robert Keith (Garotos e Garotas) e separou-se dele depois de dois anos de casamento, insatisfeita com os abusos que sofria dele e também com o fato dele ter escondido que já havia sido casado e que tinha um filho de seis anos (Brian Keith, que se tornaria um ator de sucesso). Sedenta por papeis mais desafiadores, Peg estava fazendo turnê com uma de suas peças em Los Angeles quando decidiu ficar pela cidade e dar um novo passo na carreira, dessa vez no cinema. Conseguiu um contrato com a RKO Pictures e seu primeiro (e único) trabalho foi o de uma lésbica que mata o marido em Thirteen Women. Ainda na fase de pós-produção do longa, o enredo de sua personagem (cujo lesbianismo era implícito por conta da época) foi cortado e ela ficou com apenas 15s de tela. Como se não bastasse isso, a RKO cancelou o contrato de Peg logo em seguida. Frustrada por ter sido cortada de Thirteen Women, sem contrato com estúdio algum e cansada de ter que batalhar por papeis contra outras jovens atrizes desconhecidas, Peg desiludiu-se com a vida. Sem ver futuro para sua carreira, decidiu por um fim em tudo naquela sexta-feira em setembro de 1932, quando se jogou do alto do “H” do letreiro famoso onde na época ainda se lia “Hollywoodland”. Sofreu fraturas graves e é provável que tenha sangrado até morrer. Seu corpo foi encontrado na manhã da segunda-feira seguinte por uma moça que fazia uma caminhada pelo local. Na bolsa, uma nota de suicídio na qual se lia: “Tenho medo, sou uma covarde. Sinto muito por tudo. Se eu tivesse feito isso antes, teria economizado muita dor. P.E“. Desde a cobertura sensacionalista da mídia logo após a sua morte, Peg Entwistle se tornou um símbolo dos vários artistas cujos sonhos foram esmagados por Hollywood, incluindo o próprio Ryan Murphy, que diz ter se identificado bastante com a história de Peg quando ele mesmo veio tentar a sorte na indústria, no final dos anos 1980.

Prostituição e postos de gasolina

Yep, the "Service" Station in Netflix's Hollywood Was Real ...

Jake Costello (David Corenswet, esquerda) e Ernie West (Dylan McDermott, direita) em Hollywood.

 

Na minissérie, alguns personagens integram uma rede de prostituição que é comandada por Ernie West (Dylan McDermott), um antigo aspirante a ator que não deu certo em Hollywood, mas que se saiu bem sucedido como cafetão, fornecendo garotos e garotas de programa a figurões da indústria. Para acobertar o empreendimento, ele usa um posto de gasolina e oficina como fachada. Muitos espectadores mal sabem, mas a ideia que inspirou o enredo é real.

Scotty and the Secret History of Hollywood - #IHeartHollywood

Sim, o posto de gasolina realmente existe.

Scotty Bowers lutou como fuzileiro naval no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Após o conflito, já aos 23 anos, arrumou um emprego em um posto de gasolina. Lá conheceu o ator Walter Pidgeon (gay, segundo Scotty), que o chamou para dar uma volta. Aquele momento foi o seu primeiro programa. Pidgeon falou sobre Scotty com outros conhecidos da indústria e logo outras pessoas passaram a procurá-lo. Aos poucos, Scotty foi fazendo amizade com gente importante e a demanda ficou tão intensa que ele passou a fazer atendimentos em um trailer estacionado nos fundos do posto de gasolina, fato que a minissérie também usa de inspiração.

Quando atender a demanda sozinho se tornou impossível, ele passou a agenciar encontros entre artistas e profissionais do sexo. Seu maior diferencial era a discrição e a total falta de julgamento quando se tratava de sexo. Em 1950, quando o posto de gasolina começou a ficar famoso, arrumou emprego como bartender, uma desculpa que facilitava receber convites para participar das festas de Hollywood. Homossexualidade foi crime no estado da Califórnia até os anos 1970, além disso, depois do escândalo envolvendo Fatty Airbuckle, os estúdios passaram a controlar todos os aspectos da vida dos atores, incluindo cláusulas de moralidade nos contratos, e essa “moralidade” obviamente excluía relacionamentos homossexuais. Relacionamentos de fachada organizados pelos estúdios eram comuns. O próprio Rock Hudson teve um casamento de mentira com a secretária do seu agente.

Meet the Sexual Candy Man of Hollywood's Closeted Elite, from Cary ...

Scotty com a atriz Valerie Vernon (esquerda) e Constance Dowling (direita) nos anos 1950.

 

Scotty alegou ter transado com Spencer Tracy, Cary Grant, Randolph Scott, Rock Hudson, Katharine Hepburn, entre outros atores; também diz ter feito sexo a três com as atrizes Lana Turner e Ava Gardner e apresentou garotos e garotas de programa para vários outros artistas, hétero e homossexuais. Todos o conheciam em Hollywood. Se as suas atividades eram conhecidas, como não foi pego pela polícia? Scotty respondia que guardava todas as informações em sua cabeça, não levava nada anotado. Também rejeitava ser chamado de gigolô, ao invés disso, preferia dizer que era um “provedor de alegria” e orgulhava-se de ter deixado “muitas pessoas felizes.

Decidiu aposentar-se nos anos 80, mesmo período em que casou com uma cantora de cabaré 10 anos mais jovem. Manteve tudo em segredo até 2012, quando lançou a biografia Full Service: My Adventures in Hollywood and the Secret Sex Lives of the Stars (‘Serviço Completo: Minhas Aventuras em Hollywood e as Vidas Sexuais Secretas das Estrelas‘, em tradução livre). Foi acusado de desrespeitar a privacidade das estrelas. Scotty respondeu que todos estavam mortos, ninguém sairia prejudicado. Também foi acusado de mentir e exagerar sobre alguns fatos, embora o diretor Matt Tyrnauer, do documentário baseado no livro de Scotty – Scotty and the Secret History of Hollywood, tenha dito que as histórias são verídicas. O que podemos ter certeza mesmo é que Scotty de fato conhecia muita gente em Hollywood.

 

 

George Cukor e suas festas de domingo

George Cukor à esquerda, interpretado em Hollywood por Daniel London.

George Cukor trabalhou anos para o maior estúdio de Hollywood durante a Era de Ouro, a Metro Goldwyn Meyer – ou MGM. Dirigiu clássicos como Núpcias de um Escândalo, À Meia-Luz, a segunda versão de Nasce Uma Estrela e Minha Bela Dama. Em Hollywood, os michês são contratados por Cukor para “animar” uma festa só para homens na casa dele. Um dos personagens comenta que essas reuniões que Cukor organiza são oportunidades para os gays enrustidos de Hollywood poderem se relacionar à vontade. Durante as cenas é possível ver vários homens nus transitando pelo espaço e outros mais…entrosados entre si. De fato, Cukor realmente era gay, embora não discutisse isso abertamente (seria o fim de sua carreira), porém, sua orientação sexual era um segredo aberto na Hollywood da época. Agora, será que o diretor realmente fazia festas assim?
De acordo com relatos de pessoas que tiveram a oportunidade de ir a esses encontros, as coisas na verdade eram mais comportadas. Cukor realmente gostava de fazer esses encontros aos domingos, como ocorre na minissérie, e também gostava de se sentir à vontade nessas festas, por isso só convidava aqueles em que podia confiar, gente que não denunciaria sua homossexualidade ao público. Ele disse à revista Architectural Digest, em 1978, que sua casa de campo de estilo mediterrâneo era onde fazia suas festas: “Os melhores momentos da minha vida eu lembro de ter vivido aqui – em minha própria casa“, disse Cukor. “Foi uma parte íntima da minha vida, meu trabalho, meus amigos – muitos amigos de fato. Aliás, costumávamos trabalhar seis dias por semana, e geralmente aos domingos almoçávamos aqui. Não sei como conseguia organizar tudo“.

George e Lana Turner, aquela atriz que Henry Wilson (Jim Parsons) disse que nunca mais se atrasou depois que ela o deixou esperando uma vez.

No entanto, uma vez que o sol se punha, as festas se tornavam algo diferente. “O Sr. Cukor tem todas essas festas maravilhosas para as mulheres à tarde“, disse uma vez a amiga dele, Baronesa d’Erlanger. “Então, à noite, homens mal-criados aparecem para comer as migalhas!”.
O fato das festas de Cukor serem retratadas em Hollywood como um lugar para se esconder nos faz questionar se esse era realmente um espaço seguro. Na minissérie, as festas parecem cheias de má conduta sexual, com homens poderosos avançando para jovens que não possuem a chance de dizer ‘não’. Afinal, a quem esses jovens poderiam pedir ajuda se nem deveriam estar lá?
Na vida real, Cukor teria se esforçado ao máximo para manter tudo o mais correto possível. “George ficava muito zangado se algo inapropriado acontecesse“, disse um convidado ao site The Hollywood Reporter, em 2016. “Se Cole Porter se interessava em um cara, ele gradualmente o deixava de lado e lhe dava um número de telefone para entrar em contato“.

George Cukor e Audrey Hepburn. Ele ganhou o Oscar de melhor diretor pela direção de ‘Minha Bela Dama’.

Outros também refutaram relatos de que as festas de Cukor eram orgias. Robert Trachtenberg, que dirigiu o documentário da PBS de 2000, On Cukor, disse que foi uma cena da festa do filme Gods and Monsters, de 1998, que se passava na casa de Cukor, que iniciou esse boato. “Foi realmente um retrato impreciso dele e insistiram nessa lenda sobre ele organizar orgias, o que é completamente falso“, disse Trachtenberg.
Embora as festas de Cukor possam não ter sido tão ousadas como as retratadas em Hollywood, Angela Lansbury pode ter nos dado uma imagem mais precisa de como poderiam ter sido essas festas. Ela disse ao The New York Times em 2000 que Cukor “tinha muitos gays maravilhosos por perto” e “garçons correndo com champanhe, pessoas mergulhando na piscina e outras pessoas entrando e saindo da casa, conversando“.
Hollywood, no entanto, é bem precisa ao retratar os convidados ilustres que aparecem na festa como Vivien Leigh (Katie McGuinness) e Talullah Bankhead (Paget Brewster), visto que ambas eram muito amigas de Cukor e frequentavam as festas, assim como Katharine Hepburn, amiga de longa data com quem trabalhou em 10 filmes.

Rock Hudson

Hollywood: Quem foi Rock Hudson e o ator que o faz na série da ...

Jake Pinning interpretando Rock Hudson à esquerda e o verdadeiro Rock Hudson à direita.

Na minissérie, Rock Hudson surge como um sujeito tímido, vindo de um lugar distante para tentar a sorte em Hollywood, no entanto ele é gay, algo que obviamente vai prejudicar sua carreira. Como se não bastasse tudo isso, ele ainda se apaixona por um roteirista negro e não pode viver abertamente esse amor por motivos óbvios (lembrando que homossexualidade ainda era crime na Califórnia e casais interraciais eram ilegais). Ao fim da minissérie, ele decide enfrentar abertamente o público ao sair de mãos dadas com o namorado na premiére do longa em que trabalharam juntos.
A realidade não foi tão fácil quanto em Hollywood para o verdadeiro Rock Hudson, que teve que esconder seus relacionamentos até a morte para proteger a carreira e a reputação. O fato dele ser um dos maiores galãs de sua época também não ajudou. O público só soube que ele era gay após a sua morte, aos 59 anos em 1985, quando seu publicista revelou que o ator havia morrido por complicações causadas pela AIDS. Desse momento em diante, pessoas de Hollywood que o conheciam confirmaram que ele era de fato homossexual. Sua orientação era desconhecida do público, mas era sabida por muita gente na indústria.

Elizabeth Taylor e Rock Hudson em cena de Assim Caminha a Humanidade.

Roy Fitzgerald foi rebatizado como Rock Hudson (nome que ele odiava) por seu agente Henry Wilson, interpretado por Jim Parsons em Hollywood (falaremos dele depois). Assim como retratado no programa da Netflix, ele era de fato um rapaz tímido, ingênuo e com uma séria dificuldade para se lembrar das falas. Começou a trabalhar nos primeiros filmes na segunda metade dos anos 1940, fato também retratado na minissérie. Aos poucos foi construindo uma carreira sólida como um ator de filmes B em longas de aventura e alcançou o estrelato com o romance Sublime Obsessão em 1954, que foi um sucesso de crítica e público. Seu status como galã e ator da elite de Hollywood se consolidaram de vez com o clássico Assim Caminha a Humanidade, que lhe rendeu sua única indicação ao Oscar. Esteve também em outros clássicos como Tudo o Que o Céu Permite e Palavras ao Vento.
Mas essa ascensão na carreira quase não aconteceu, pois em 1955 a revista Confidential ameaçou publicar uma matéria expondo a homossexualidade do galã. Porém, o seu agente Henry Wilson conseguiu impedir a publicação da matéria polêmica ao subornar o editor da revista. O agente também deu informações à publicação sobre os anos que o ator Rory Caulhoun (Como Agarrar Um Milionário) passou na prisão, bem como a prisão do ator Tab Hunter (Mulher Daquela Espécie) numa festa gay em 1950. Tudo isso para salvar a carreira do seu cliente mais lucrativo. Aliás, Rock se casou com a secretária de Henry Wilson, Phyllis Gates, alguns meses depois desse fato, para abafar qualquer rumor (em Hollywood ela aparece brevemente). O casamento durou três anos.

Rock com Doris Day. Os dois formaram uma parceria de sucesso ao longo de três filmes e se tornaram grandes amigos.

Antes mesmo desse fato, Rock já havia aparecido publicamente em encontros arranjados com outras atrizes, como foi o caso de Mammie Van Doren, que, recém-chegada em Hollywood, não sabia do segredo aberto de Rock Hudson. Em uma entrevista recente, a atriz relembrou o ocorrido: “Quando eu estava sob contrato, eu não sabia que ele era gay. Estava na minha segunda semana como contratada (do estúdio) quando o departamento de publicidade me ligou e disse que eu iria a um encontro com Rock Hudson. Fiquei tão preocupada. A garota disse casualmente: ‘Você não precisa se preocupar com ele – ele não gosta de garotas’. Então nós saímos…Nos tornamos grandes amigos. Lembro-me dele sendo muito humilde e um cara legal. Então, quando ele ficou doente, foi muito devastador“.

McMillan & Wife (1971-1977)

Rock Hudson em McMillan & Wife (1971-1977)

Além de dramas, Hudson ficou eternizado na memória dos cinéfilos pelas comédias românticas que fez com Doris Day (que se tornaria sua amiga até o fim da vida), como Confidências à Meia-Noite, Volta Meu Amor e Não Me Mandem Flores. Sua carreira entrou em declínio na segunda metade dos anos 1960 e ele não emplacou mais nenhum sucesso, mas ainda teve alguns brilharecos como Estação Polar Zebra, que seria um sucesso de bilheteria se o filme não tivesse sido tão caro. Foi nesse período que protagonizou o longa de ficção científica/suspense O Segundo Rosto, que concorreu ao prêmio principal em Cannes. O filme passou batido na época, mas se tornou um clássico cult com o tempo e hoje em dia os críticos consideram esse o seu melhor trabalho.

Sem espaço no cinema, Hudson teve que se reinventar na TV e se saiu bem com a série policial McMillan & Wife, um sucesso instantâneo na CBS. Ganhou destaque novamente nos anos 80 com a série Dinasty, e estava trabalhando nela quando sua saúde começou a se deteriorar por conta da AIDS.

Henry Wilson

The True Story of 'Hollywood' Agent Henry Willson — Netflix Show

Talvez uma das retratações mais fiéis da minissérie, Henry Wilson foi um homem poderoso em Hollywood, e ele sabia disso. Ciente de que seus clientes nada podiam fazer para se defender dos seus abusos sem destruir a possibilidade de uma carreira bem-sucedida, Wilson tirou proveito do poder que possuía para violentá-los sexualmente.
Começou na indústria como roteirista em 1933, daí foi para a Zeppo Marx Agency, onde deu início a sua carreira como agente. Foi nesse período, inclusive, que ele ajudou Lana Turner a chegar ao estrelato (como o próprio faz questão de dizer a Rock Hudson em uma cena de Hollywood). Nos anos 1940 montou sua própria agência e foi aí onde começou a sua fama de “fabricante de astros”.
A especialidade de Wilson era galãs, não precisava necessariamente ser bom ator. Ele agenciou vários deles além de Rock Hudson, como Tab Hunter (Montanhas em Fogo), Chad Everett (Mulholland Drive), Robert Wagner (Austin Powers – O Agente Misterioso), Nick Adams (O Crime É Homicídio), Guy Madison (Sob o Comando da Morte. Ele também aparece brevemente em Hollywood), Troy Donahue (O Poderoso Chefão II), Mike Connors (Mannix – série de TV), Rory Calhoun (Como Agarrar Um Milionário), John Saxon (Summer Love), Yale Summers (This is the Life – série de TV), Clint Walker (Cheyenne – série de TV), Doug McClure (The Virginian – série de TV), Dack Rambo (Dallas – série de TV), Ty Hardin (Bronco – série de TV) e John Derek (A Grande Ilusão).
O sucesso em agenciar galãs nos anos 50 juntamente com o fato da sexualidade de Wilson ser algo que Hollywood inteira sabia, gerou uma visão equivocada de que todos os seus clientes eram gays. A jornalista Suzanne Finstad confirmou que haviam clientes héteros, mas um número desproporcional deles eram gays, bissexuais ou “co-operavam” com as investidas de Wilson para conseguir papeis melhores.
Em 1955, ele sacrificou dois de seus clientes para salvar a carreira do seu produto mais rentável – Rock Hudson – impedindo a revista Confidential de publicar uma revelação de que ele era gay. Wilson ainda arrumava vários namoros falsos para despistar os rumores que giravam em torno de seus clientes gays, incluindo Hudson, que até se casou com a secretária de Wilson.
Ele tinha sérios problemas com o álcool e outras drogas. Com a morte do sistema de estúdios, serviços como o dele passaram a ser cada vez mais desnecessários, pois a relação do público e da indústria com um astro de cinema já não era mais a mesma. Não havia mais sentido em fabricar e vender uma estrela, que era o que ele sabia fazer. Ficou falido e só foi aceito no asilo onde passou seus últimos anos por caridade. Morreu de cirrose, aos 67 anos em 1976.

Anna May Wong, chinesa demais para ser americana e americana demais para ser chinesa

Anna May Wong The Good Earth Hollywood True Story - Who Is Anna ...

Michelle Krusiec à esquerda interpretando Anna May Wong, à direita, em Hollywood.

No segundo episódio de Hollywood, a nova história alternativa de Ryan Murphy sobre a Era de Ouro de Hollywood, o aspirante a diretor Raymond Ainsley (Darren Criss) visita a casa da atriz Anna May Wong. Uma Wong abatida, usando óculos escuros dentro de casa e bebendo uísque em plena manhã (a Wong real de fato tinha problemas com a bebida e fumava demais), refere-se a si mesma como “o grande fantasma“; Enquanto isso, Ainsley, maravilhado por estar cara a cara com a atriz, deixa escapar: “Acho que o que aconteceu com ‘Terra dos Deuses’ foi horrível“.

Embora Ainsley seja um personagem fictício, Wong foi uma pessoa real – na verdade, ela foi a primeira atriz asiática a chegar ao estrelato em Hollywood, e a controvérsia em torno de Terra dos Deuses vive nos anais da história da indústria. A Hollywood de Murphy mergulha brevemente nessa briga; no entanto, o incidente foi apenas uma fração da longa e pioneira carreira de Wong, não apenas como atriz, mas como defensora da representação asiático-americana em Hollywood.

Ela nasceu e criou-se em Los Angeles e, como era apaixonada por filmes, decidiu se tornar atriz aos 16 anos, em 1921. Trabalhou como figurante em vários filmes, até que conseguiu seu primeiro papel em Bits of Life, considerado o primeiro filme feito em formato de antologia; logo depois ganhou sua primeira protagonista em The Toll of the Sea (1922), uma variação da ópera Madame Butterfly que se passa na China, ao invés do Japão, como no original. O longa também é considerado o segundo filme colorido produzido em Hollywood (o primeiro foi The Gulf Between, uma comédia de 1917). A sua interpretação foi bastante elogiada pelos críticos, mas o começo promissor não serviu para livrar Wong dos papeis secundários e estereotipados de mulher exótica que Hollywood lhe relegaria nos próximos anos.

Wong foi apresentada de vez ao público em 1924, em O Ladrão de Bagdá, uma grande produção (como os blockbusters atuais) protagonizada por Douglas Fairbanks, um dos maiores astros da época. O longa foi um sucesso e atualmente é um clássico do cinema mudo. No filme, Anna dá vida a mais um papel estereotipado, uma asiática misteriosa e fora-da-lei.

Peter Pan (1924)

Peter Pan (1924). Anna May Wong interpretou a Tigrinha no filme, que foi um sucesso quando foi lançado no natal daquele ano.

Ainda no mesmo período, a atriz abriu a Anna May Wong Productions, com o objetivo de fazer filmes sobre sua cultura, porém um sócio desonesto pôs uma pá de cal nos seus planos e a empresa foi dissolvida. Sua etnia também a impossibilitava de ser protagonista e ter um par romântico, principalmente por causa das leis que proibiam casais interraciais, como aconteceu em Mr. Wu (1927), por exemplo, onde a censura da época custou-lhe o papel de protagonista. Como não podia beijar atores brancos na tela, a solução seria escalar um outro ator asiático famoso. Porém, astros asiáticos masculinos eram praticamente inexistentes, só existia Sessue Hayakawa. Como se isso não bastasse, Hollywood sempre a ignorava quando escalava atrizes para papeis asiáticos interessantes, preferindo sempre as brancas.

Frustrada com a falta de papeis interessantes, Anna foi para Europa em 1928. Lá, virou uma sensação, sendo elogiada não só como uma boa atriz, mas como uma beldade. Foi aclamada logo no primeiro filme feito no continente, o drama Song, onde foi uma das protagonistas. Os críticos alemães rasgaram elogios e ignoravam sua origem americana, tratando-a como chinesa. Participou de peças de teatro e de óperas. Porém, sua raça ainda era motivo de controvérsia, considerando que não pôde beijar seu interesse amoroso em Picadilly (1929), fato que foi amenizado pelas críticas excelentes a sua performance e ao sucesso do longa. Sobre sua ida a Europa, ela declarou: “Eu estava tão cansada dos papeis que tive que interpretar. Parece que há pouco para mim em Hollywood, porque, em vez de chineses de verdade, os produtores preferem húngaros, mexicanos e índios americanos para papéis chineses“.

Decidiu voltar aos EUA depois que a Paramount ofereceu-lhe papeis de protagonista e um pagamento maior. A decisão mostrou-se uma decepção e ela recorreu ao teatro e ao cabaret por oportunidades mais interessantes. Foi nesse período que estrelou na Broadway a peça de sucesso On The Spot, que mais tarde foi adaptada no filme Verdugo de Si Mesmo (1938), com Wong reprisando seu papel. Nos bastidores do longa, o diretor Robert Florey pediu a atriz para usar maneirismos japoneses para sua personagem, algo que ela se recusou a fazer.

Com a promessa de um papel em um filme de Josef Von Sternberg, ela aceitou mais um papel estereotipado em A Filha do Dragão (1931), onde interpretou pela última vez o papel de chinesa má. Foi a única vez em que trabalhou com o outro astro asiático em Hollywood, Sessue Hayakawa. Apesar de ser a protagonista, ela recebeu apenas US$ 6 mil pelo papel, Hayakawa recebeu US$ 10 mil e Warner Orland, que só aparece por 20 minutos no filme, recebeu US$ 12 mil. Ao menos ela recebeu o papel no clássico de Von Sternberg – O Expresso de Xangai – protagonizado por Marlene Dietrich que concorreu ao Oscar de melhor filme em 1933. As cenas que protagonizou com Marlene chamaram a atenção pela carga sexual implícita entre as duas atrizes.

Ela retorna mais uma vez a Europa, onde ficaria pelos próximos 3 anos; durante esse período, ela comentou: “Estava tão cansada desses papeis. Por que é que o chinês é quase sempre o vilão da história? Cruel, assassino, traiçoeiro, uma serpente a espreita? Nós não somos assim“. Em 1935, ela decidiu voltar aos EUA para lutar pelo papel de O-lan, protagonista do livro de sucesso Terra dos Deuses, um romance premiado sobre a vida difícil de fazendeiros chineses. Seria a maior decepção de sua carreira. Em Hollywood, ela chegou a fazer o teste para o papel principal, mas na realidade Anna sequer foi considerada como protagonista, ao invés disso recebeu apenas uma proposta para o papel de Lotus, uma concubina. À MGM, ela respondeu o seguinte: “Ficaria feliz em fazer o teste (para Lotus), mas não farei esse papel. Se vocês me deixassem interpretar O-lan, ficarei muito feliz. Mas vocês estão pedindo que eu, com sangue chinês, faça o único papel antipático do filme, com um elenco totalmente americano retratando personagens chineses”. O papel de O-lan foi para a alemã Luise Reiner (outra que tem uma cameo em Hollywood), que tinha apenas dois filmes no currículo e ganharia o Oscar de melhor atriz por O Grande Ziegfeld alguns meses depois em 1936. No ano seguinte, tornou a ganhar o prêmio de novo por Terra dos Deuses, para desgosto de Wong. Na minissérie, ela é mostrada às lagrimas na plateia, vendo Luise Rainer receber o prêmio. O momento foi apenas uma licença poética de Murphy. Na realidade, Wong sequer poderia entrar no hotel onde a premiação ocorreu. O lugar era “só para brancos”.

Cansada de lidar com Hollywood, Anna passa uma temporada na China para se reconectar com suas raízes e levantar o seu moral com a população local, visto que ela sempre fora criticada pela imprensa chinesa por aceitar papeis estereotipados nos filmes, “manchando a imagem dos chineses”. Seu tour foi amplamente acompanhado pela imprensa asiática e ela escreveu sobre sua passagem pelo país em colunas periódicas para a imprensa americana. Sobre as críticas da imprensa chinesa, ela revelou: “É uma situação bastante triste ser rejeitada pelos chineses por ser ‘americana demais’ e pelos produtores americanos, por eles preferirem outras raças para representar papeis chineses“.

ANNA MAY WONG - O ÍCONE INJUSTIÇADO

Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, ela trabalhou ativamente para arrecadar fundos destinados aos esforço de guerra chinês, o que serviu para conquistar a simpatia do público americano, ainda mais considerando o fato de que a China, assim como os EUA, também era inimiga dos japoneses. Aliás, a atriz sempre fora engajada politicamente, escrevendo artigos para os jornais sobre o assunto antes mesmo da guerra começar.

Beneficiada pela conjuntura política pró-China, ela pôde fugir dos personagens estereotipados em seus últimos filmes para a Paramount, que eram longas de baixo orçamento e muitos deles receberam críticas ruins. Sobre um dos filmes que fez nesse período, Tráfico Humano, onde fez a heroína, ela declarou: “Gosto da minha personagem neste filme mais do que qualquer outra que eu já fiz antes… porque esse filme dá uma folga aos chineses – temos papeis carismáticos para variar! Para mim, isso significa muito“.

Seus últimos filmes em Hollywood foram fortemente influenciados pelo contexto da guerra, com enredos que giravam em torno do conflito e com forte teor anti-japonês. Ainda antes do término da guerra, em 1945, ela mudou de carreira e passou a sobreviver de aluguel dos imóveis que tinha. Só voltou a atuar nos anos 50, na TV, quando protagonizou uma temporada de uma série feita especialmente para ela – The Gallery of Madame Liu-Tsong. Apesar dos planos para a segunda temporada, a série não foi renovada. Sua saúde começou a se deteriorar e ela sofreu uma hemorragia interna em 1953, algo que o irmão dela atribuiu à bebedeira, ao hábito de fumar e a preocupações financeiras. Fez algumas aparições esporádicas na TV. Retornou brevemente ao cinema em 1960, com Retrato em Negro, fazendo mais uma personagem rasa e estereotipada. Seu último trabalho foi no ano seguinte, no programa The Barbara Stanwyck Show. Morreu de uma parada cardíaca 2 dias após a exibição do episódio, enquanto dormia em casa, aos 56 anos.

Em 1959, Wong disse: “Quando eu morrer, meu epitáfio deveria ser: ‘Eu morri mil mortes’. Essa foi a história da minha carreira no cinema. Na maioria das vezes eu estive em histórias de mistério e de intrigas. Eles não sabiam o que fazer comigo no final, então me matavam“. Na Hollywood de Murphy, Wong ganhou uma nova vida, retratando o racismo e o desapontamento inerentes à sua carreira, e dando espaço para que o público lamente junto com ela. Não é um spoiler dizer que, em Hollywood, a história de Wong termina com uma melhoria: desta vez, ela não precisou morrer.

 

 

Hattie McDaniel

Hattie McDaniel à esquerda e Queen Latifah à direita, em Hollywood

Em Hollywood, Hattie McDaniel (Queen Latifah) usa sua experiência negativa na indústria para trazer conforto e apoio a atriz iniciante Camille Washington (Laura Harrier). Como bem retratado na série, McDaniel foi a primeira intérprete negra a ganhar um Oscar pelo seu papel de Mammy, uma criada em …E O Vento Levou. Mas assim como Anna May Wong, ela teve a sua carreira de atriz prejudicada pelo racismo dos produtores e pelas leis segregacionistas da época.
Nascida na pobreza em 1893, filha de ex-escravos e caçula de 13 filhos, Hattie decidiu bem cedo que não queria ter o mesmo destino da mãe e das irmãs, que trabalhavam como empregadas e se juntou ao grupo de vaudeville formado por seus irmãos Otis e Sam. Nessas apresentações para plateias negras, Hattie chamava atenção imitando brancos, fazendo inclusive “whiteface”, algo incomum para comediantes femininas.
Para quem não sabe, “Vaudeville” eram shows itinerantes de variedades feitos por artistas de diversos ramos: haviam peças de teatro, shows de comédia, de mágica apresentação de músicos e por aí vai. Hattie passou parte considerável de sua carreira nesses shows de variedades, até que a crise de 29 fez com que vários artistas da área fossem demitidos, inclusive ela. Sem um centavo no bolso, Hattie trabalhou como funcionária em um bar na sua terra natal, em Milwaukee, e lá foi contratada pelo mesmo bar como cantora, depois que começou a improvisar apresentações no local por conta própria. Mas essa fase não durou muito e logo ela se juntou aos irmãos Etta e Sam, também atores, e foi para Hollywood.

McDaniel (centro), em frente à sua casa no South Harvard Boulevard, em West Adams, em Los Angeles, com voluntárias da Segunda Guerra Mundial em 1942. McDaniel foi fundamental na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1948, que suprimia as restrições contra os afro-americanos que se mudassem para a área, que fica a sudoeste do centro da cidade.

Em Hollywood logo ficou claro que as oportunidades como atriz seriam limitadas. O fato dela ser negra significava que ela sequer poderia ter um par romântico de outra cor de pele, graças ao infame Código Hays, também mencionado na minissérie de Murphy. Assim, só restaram os papeis de empregada ou de escrava.
Ela trabalhou como figurante em dezenas de filmes, incluindo um papel não creditado, mas com falas, em A Vênus Loira, como empregada do personagem de Marlene Dietrich. Em 1934, conseguiu seu primeiro papel de fato, na comédia racista de John Ford – Juiz Priest. O diretor a adorou e resolveu expandir o seu papel no longa, o que deixou outro artista negro – Stepin Fetchit – com medo de perder destaque. Isso fez com que a relação entre os dois atores fosse, no mínimo, fria.
Desde então, Hattie foi saindo de um papel de empregada para outro, o que rendeu críticas de ativistas do movimento negro. Como Anna May Wong, ela também foi acusada por gente da própria comunidade de ajudar a perpetuar estereótipos negativos de sua raça através de seus papeis. Aos críticos, ela apenas respondia: “Prefiro interpretar uma empregada do que ser uma“.

Hattie McDaniel como a Mammy de … E O Vento Levou, contracenando com Vivien Leigh, a Scarlett O’Hara.

Em 1939, depois de 74 papeis de empregada, dos 94 totais listados no IMDB, atingiu o ponto mais alto da carreira ao ser elogiada tanto pela crítica quanto pelo público pela Mammy, uma escrava de …E O Vento Levou. O Los Angeles Times chegou a dizer que sua performance era digna de prêmios. McDaniel levou uma pilha de críticas positivas ao escritório do produtor do longa, David O.Selznick, que entendeu o recado e candidatou a atriz a uma indicação a melhor atriz coadjuvante, junto com sua colega Olivia de Havilland, contribuindo para o recorde de 13 indicações que o filme recebeu.
A premiação ocorreu no Ambassador Hotel, em Los Angeles, um local proibido para não-brancos. Em Hollywood, Hattie (Queen Latifah) é proibida de entrar no local para receber o seu prêmio. Anos depois, ela aconselha Camille Washington (Laura Harrier) a não se rebaixar como ela se rebaixou. Na vida real, ela pôde ir receber seu prêmio e até mesmo fez um discurso: “Eu sempre considerarei isso (o prêmio) como um farol para qualquer coisa que eu possa fazer no futuro. Espero sinceramente que eu sempre seja um motivo de honra para a minha raça e para a indústria cinematográfica“.
Hattie McDaniel: First Oscar-winning Black actor – Workers World
Entregue o prêmio, ela foi conduzida de volta ao seu lugar, uma mesa encostada na parede ao fundo, onde estavam seu acompanhante, F.P. Yober, e o seu agente branco William Meiklejohn. Ela não pôde se sentar junto com os demais membros do elenco na mesa principal destinada a equipe do longa. Sua presença só foi permitida no hotel porque o produtor pediu um favor especial para que McDaniel pudesse entrar no prédio. As leis segregacionistas durariam até 1959 na Califórnia.
Mas a glória do Oscar não se traduziu em melhores oportunidades e ela ficou com a imagem presa ao papel dela em …E O Vento Levou. Em 1944, ela demonstrou frustração pela forma como sua premiação foi recebida pela indústria. “Era como se eu tivesse feito algo errado“, reclamou.
Ela continuou interpretando papeis pouco importantes de empregada, inclusive naquele filme que a Disney quer apagar da existência por seu conteúdo racista, A Canção do Sul. Ela redescobriu o sucesso em 1947 no rádio, vivendo uma empregada num programa de comédia chamado Beulah, no qual era protagonista. Foi a primeira atriz negra a conseguir o feito. O sucesso do programa fez com que ela fosse escalada como Beulah na adaptação para a TV do mesmo programa, em 1951. Hattie chegou a gravar seis episódios antes de adoecer com câncer de mama. Morreu no ano seguinte, aos 59 anos, sem filhos e depois de quatro casamentos. Até hoje é incerto se ela chegou mesmo a se relacionar com mulheres, como é retratado em Hollywood. Como último desejo, ela pediu para ser enterrada no Hollywood Cemetery, o cemitério dos artistas. O desejo não foi atendido, pois o lugar era só para brancos.

Vivien Leigh

Katie McGuinness (esquerda) interpretando Vivien Leigh (direita)

Vivien Leigh surge em Hollywood como uma das convidadas da festa de George Cukor. Ao longo do evento, Ernie West (Dylan McDermott) manda que seus michês atendam os convidados enquanto ele vai ao quarto de Vivien, acalmá-la de uma crise. Quando adentra o recinto, ele nota que a atriz continua extremamente agitada, arrumando suas jóias de forma obsessiva. Ela comenta que recentemente teve alta do hospital, para então se jogar nos braços de Ernie. A cena retrata apenas um fragmento do transtorno bipolar, doença que acometeu a atriz por toda a vida adulta.
As mudanças repentinas de humor fizeram com que Vivien ganhasse fama de difícil nos bastidores. Foram vários os momentos na carreira marcados por sintomas da doença, como hiperatividade, atitudes agressivas, seguidas por uma depressão profunda. A atriz também sofreu vários surtos psicóticos, dos quais nada se lembrava, mas que eram suficientes para causar-lhe constrangimento e remorso. O ator Laurence Olivier, seu marido por 20 anos, contou em sua autobiografia que a primeira vez em que lidou com a manifestação da doença de Vivien foi quando ela se preparava para entrar em cena, numa peça em Londres. Sem motivo aparente, ela simplesmente gritou com Olivier, logo em seguida ficou sem expressão, encarando o vazio. Se apresentou normalmente no teatro, mas, depois de voltar ao normal no dia seguinte, não se lembrava do episódio.

Marlon Brandon e Vivien Leigh como Blanche DuBois, em Um Bonde Chamado Desejo. O papel lhe rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante.

Apesar do transtorno, Vivien Leigh conseguiu fazer sua carreira dar certo. Ela sempre se considerou uma atriz de teatro mais do que de cinema, até ganhou um Tony Awards em 1961, mas ficou eternizada mesmo pelos dois papeis que lhe renderam o Oscar. O primeiro foi a mimada Scarlett O’Hara em …E O Vento Levou, que a transformou numa celebridade (apesar dela rejeitar o rótulo). O segundo foi como Blanche DuBois em Um Bonde Chamado Desejo, de 1951, baseado numa peça de mesmo nome do dramaturgo Tennessee Williams. Aliás, ela também interpretou Blanche nos palcos antes de ser escalada para a adaptação de cinema.
Amiga de George Cukor, ela foi várias vezes à casa do diretor, não só para festas, mas também para pedir conselhos, como aconteceu em …E O Vento Levou. Cukor inicialmente foi escalado para dirigir, mas depois de conflitos criativos com o produtor David O.Selznick, foi substituído por Victor Fleming, que não se dava bem com a atriz. Ela e a colega Olivia de Havilland fizeram várias reuniões secretas na casa de Cukor pedindo conselhos ao diretor sobre como deveriam interpretar suas personagens.
Vivien morreu em 1967, aos 53 anos, de complicações da tuberculose, doença com a qual convivia há mais de 20 anos.

Tallulah Bankhead

Tallulah Bankhead (esquerda) e Paget Brewster (direita) em Hollywood

 

A Tallulah Bankhead mostrada em Hollywood não apareceu muito, mas ficou em tela tempo o suficiente para chamar a atenção dos espectadores ao ser retratada como uma mulher promíscua e festeira pela atriz Paget Brewster. Qualquer olhada rápida num texto qualquer sobre a atriz mostra que Ryan Murphy foi bem fiel ao que Tallulah realmente era. A atriz nunca conseguiu replicar no cinema a carreira bem sucedida dos palcos e era mais famosa pelo jeito escandaloso de ser e por suas declarações honestas do que pelo seu trabalho.

De família tradicional da política sulista, Tallulah se mandou para Nova York ainda adolescente, depois de ganhar um papel pequeno num filme. Decidiu ficar por lá e investir na carreira de atriz. Ela disse que o pai a aconselhou ficar longe de bebidas e de homens, mas que não havia falado nada “sobre mulheres e cocaína“. Desinibida e extrovertida, não demorou para se misturar com a classe artística de NY, principalmente o Algonquin Round Table, um grupo diverso que incluía críticos, roteiristas, atores, dramaturgos, poetas, músicos, ativistas, jornalistas, compositores e por aí, que se reuniam espontaneamente em vários lugares, fazendo festas ou simples refeições juntos. Foi numa dessas festas selvagens do Algonquin que Tallulah foi apresentada à cocaína e a maconha. E foi também nesse período que começou a namorar mulheres, como a atriz, diretora e dramaturga Eva Le Galienne e a atriz Blythe Daly, só para citar algumas.

Tallulah Bankhead e Patsy Kelly, sua assistente. Sentiu uma ‘vibe’ gay? Não é por acaso.

 

Em 1921, aos 19, ela mudou-se para a Inglaterra, onde começou a adquirir prestígio e fama nos palcos ingleses. Voltou aos EUA 10 anos depois para trabalhar em Hollywood. Seu primeiro filme foi com George Cukor – Tarnished Lady (1931). Ela e o diretor viraram amigos rapidamente, mas ela detestou o processo de fazer filmes, achava entediante ficar no set. Inclusive diz que só aceitou filmar Entre Duas Águas (1932) porque queria “foder com aquele divino do Gary Cooper“. Outro problema era que ela odiava Los Angeles, tendo inclusive questionado o produtor todo poderoso da MGM, Irving Thalberg (que ela também pegou), sobre como ele fazia “para transar nessa cidade“, ao passo que ele respondeu: “Você certamente vai achar alguém, é só pedir“.

Se por um lado ela odiava Los Angeles e não gostava de fazer filmes, por outro lado não dava para ignorar que eles pagavam melhor do que no teatro. Assim, continuou conciliando a carreira no cinema com a Broadway.   Nesse período, entrou no “livro da ruína”, uma lista de 150 artistas considerados inapropriados para o público, organizada pelo Comitê Hays, liderado pelo político Will H. Hays. O nome de Tallulah estava no topo, algo que ocorreu principalmente por conta de uma entrevista que ela deu na mesma época, onde dizia: “Falo sério sobre o amor. Estou falando sério agora… não tenho um caso há seis meses. Seis meses! É muito tempo… Se há um problema comigo agora, não é Hollywood ou o estado de espírito de Hollywood…O problema comigo é: Eu quero um homem! Seis meses é muito, muito tempo. Eu quero um homem!“. Quando soube que Hays a colocou no topo da tal lista, voltou à imprensa para chamá-lo de imbecil.

Tallulah Bankhead em Um Barco e Nove Destinos (1944).

O único sucesso cinematográfico da carreira de Tallulah foi o suspense de Alfred Hitchcock –Um Barco e Nove Destinos, que lhe rendeu um prêmio de melhor atriz pela associação de críticos de Nova York. Quando recebeu a homenagem, declarou: “Queridos, eu fui maravilhosa!“.

Na década de 1950, foi convidada por Tennessee Williams, de quem era muito amiga, para fazer Blanche DuBois (inspirada nela) na peça Um Bonde Chamado Desejo. Ela recusou e o resto já sabemos. Anos depois, Williams tornou a convidá-la para fazer a personagem em uma nova temporada da peça. Ela decidiu interpretar Blanche de forma caricata, o que fez o amigo chorar de desgosto. Vendo isso (e as críticas ruins), Tallulah decidiu levar o papel a sério, mas já era tarde demais e a nova temporada não durou muito.

Tallulah em sua última performance, como a Viúva Negra na clássica série do Batman, em 1966.

 

A atriz levou uma vida de excessos desde muito jovem: bebia e fumava muito, usava drogas, abusava dos remédios para dormir e dos remédios para se manter acordada. Sempre falou de seus vícios abertamente. Costumava dizer que era tão pura quanto um chão sujo. Se casou apenas uma vez, em 1938, se divorciando 4 anos depois. Quando questionada sobre o fato por um jornalista, respondeu que nunca mais queria se casar. Também nunca teve filhos. Sofreu 4 abortos antes de ter o útero removido depois de quase morrer de gonorreia, em 1931.  Ao médico, ela teria dito: “Não pense que aprendi uma lição com isso” e voltou ao mesmo estilo de vida insano que levava. Naturalmente, isso teve um preço e no fim da vida, ela já não conseguia fazer nada sozinha, de tão debilitada. Tallulah morreu em 1968, aos 66 anos.

Outras edições da coluna:

Fontes:
Who’s Peg Entwistle?: https://www.harpersbazaar.com/culture/film-tv/a32404793/who-is-peg-entwistle-hollywood-facts/
Peg Entwistle’s Only Movie Is Way Crazier Than Any Ryan Murphy Production:  https://slate.com/culture/2020/05/peg-entwistle-hollywood-sign-thirteen-women-movie.html
Hollywood’s secret history: Scotty Bowers on sex and stars in the Golden Era: https://www.theguardian.com/film/2018/aug/03/hollywoods-secret-history-scotty-bowers-on-sex-and-stars-in-the-golden-era
Scotty and the Secret History of Hollywood’: Film Review | TIFF 2017: https://www.hollywoodreporter.com/review/scotty-secret-history-hollywood-review-1037277
The Real Story Behind George Cukor’s Party On Netflix’s Hollywood https://www.refinery29.com/en-us/2020/05/9744662/did-george-cukor-hollywood-parties-really-happen
Ryan Murphy’s New Show Is An Alt-History. But Anna May Wong’s Story Is a Real Hollywood Injustice. https://www.esquire.com/entertainment/tv/a32333040/anna-may-wong-the-good-earth-ryan-murphy-hollywood-netflix-true-story/
The Real-Life Story of Hollywood Super Agent Henry Willson https://www.menshealth.com/entertainment/a32255452/real-life-henry-willson-hollywood-agent-true-story/
Hollywood on Netflix : which characters of the series have really existed? https://thetimeshub.in/hollywood-on-netflix-which-characters-of-the-series-have-really-existed/14031/
Netflix’s Hollywood: The extraordinary true life story of Hattie McDaniel https://metro.co.uk/2020/05/03/netflixs-hollywood-extraordinary-true-life-story-hattie-mcdaniel-12648417/
Oscar’s First Black Winner Accepted Her Honor in a Segregated ‘No Blacks’ Hotel in L.A. https://www.hollywoodreporter.com/features/oscars-first-black-winner-accepted-774335
Hollywood: Were Hattie McDaniel and Tallulah Bankhead Really an Item? https://www.vanityfair.com/hollywood/2020/05/netflix-hollywood-ryan-murphy-hattie-mcdaniel-tallulah-bankhead
The Hard Living Times of Tallulah Bankhead https://whatculture.com/film/10-insane-things-you-wont-believe-actors-got-away-with-in-real-life?page=3
Tallulah Bankhead https://www.britannica.com/biography/Tallulah-Bankhead
A Tribute From Tennessee Williams To ‘Heroic Tallulah Bankhead‘: https://archive.nytimes.com/www.nytimes.com/books/00/12/31/specials/williams-bankhead.html
She Couldn’t Say ‘No’: https://www.telegraph.co.uk/culture/books/3638269/She-couldnt-say-No.html