‘Hollywood‘, produção da Netflix produzida por Ryan Murphy, retrata a Los Angeles dos anos 1940, em pleno período da chamada “Era de Ouro” do cinema americano. Um período em que toda a produção e distribuição dos filmes era controlada pelos grandes estúdios. Sabemos que a Hollywood da época não gostava de gente que não fosse branca, nem de homossexuais (não abertamente, pelo menos) e mulheres não tinham voz nas decisões. O que Katharine Hepburn fez em 1940 quando tomou todas as decisões criativas do sucesso Núpcias de um Escândalo, por exemplo, foi algo raríssimo, uma exceção à regra. Mulheres geralmente também não tinham esse poder.
Pois é justamente esse fator que Ryan Murphy aborda nesta minissérie de sete capítulos. Em Hollywood, o produtor mistura ficção e realidade para reescrever a história enquanto tenta fazer justiça poética às minorias (embora tenha ficado “palestrinha” demais nesse ponto), concedendo-lhes todo o espaço e brilho que não possuíram na realidade, especialmente à Anna Mae Wong e a Rock Hudson. Ela finalmente recebeu reconhecimento, enquanto Hudson pôde viver abertamente como gay. A realidade, no entanto, foi bem mais dura e cruel do que a minissérie deixa transparecer.
O mais encantador sobre Hollywood é a quantidade de referências a pessoas e situações reais da época. Atrás desses artistas, existem histórias não reveladas de bastidores que são interessantíssimas, mas mencionadas rapidamente pela minissérie, por motivos óbvios. O foco ali é outro. Veja abaixo nove histórias desconhecidas escondidas atrás de referências apresentadas na minissérie:
Peg Entwistle
Prostituição e postos de gasolina
Jake Costello (David Corenswet, esquerda) e Ernie West (Dylan McDermott, direita) em Hollywood.
Na minissérie, alguns personagens integram uma rede de prostituição que é comandada por Ernie West (Dylan McDermott), um antigo aspirante a ator que não deu certo em Hollywood, mas que se saiu bem sucedido como cafetão, fornecendo garotos e garotas de programa a figurões da indústria. Para acobertar o empreendimento, ele usa um posto de gasolina e oficina como fachada. Muitos espectadores mal sabem, mas a ideia que inspirou o enredo é real.

Sim, o posto de gasolina realmente existe.
Scotty Bowers lutou como fuzileiro naval no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Após o conflito, já aos 23 anos, arrumou um emprego em um posto de gasolina. Lá conheceu o ator Walter Pidgeon (gay, segundo Scotty), que o chamou para dar uma volta. Aquele momento foi o seu primeiro programa. Pidgeon falou sobre Scotty com outros conhecidos da indústria e logo outras pessoas passaram a procurá-lo. Aos poucos, Scotty foi fazendo amizade com gente importante e a demanda ficou tão intensa que ele passou a fazer atendimentos em um trailer estacionado nos fundos do posto de gasolina, fato que a minissérie também usa de inspiração.
Quando atender a demanda sozinho se tornou impossível, ele passou a agenciar encontros entre artistas e profissionais do sexo. Seu maior diferencial era a discrição e a total falta de julgamento quando se tratava de sexo. Em 1950, quando o posto de gasolina começou a ficar famoso, arrumou emprego como bartender, uma desculpa que facilitava receber convites para participar das festas de Hollywood. Homossexualidade foi crime no estado da Califórnia até os anos 1970, além disso, depois do escândalo envolvendo Fatty Airbuckle, os estúdios passaram a controlar todos os aspectos da vida dos atores, incluindo cláusulas de moralidade nos contratos, e essa “moralidade” obviamente excluía relacionamentos homossexuais. Relacionamentos de fachada organizados pelos estúdios eram comuns. O próprio Rock Hudson teve um casamento de mentira com a secretária do seu agente.

Scotty com a atriz Valerie Vernon (esquerda) e Constance Dowling (direita) nos anos 1950.
Scotty alegou ter transado com Spencer Tracy, Cary Grant, Randolph Scott, Rock Hudson, Katharine Hepburn, entre outros atores; também diz ter feito sexo a três com as atrizes Lana Turner e Ava Gardner e apresentou garotos e garotas de programa para vários outros artistas, hétero e homossexuais. Todos o conheciam em Hollywood. Se as suas atividades eram conhecidas, como não foi pego pela polícia? Scotty respondia que guardava todas as informações em sua cabeça, não levava nada anotado. Também rejeitava ser chamado de gigolô, ao invés disso, preferia dizer que era um “provedor de alegria” e orgulhava-se de ter deixado “muitas pessoas felizes.
Decidiu aposentar-se nos anos 80, mesmo período em que casou com uma cantora de cabaré 10 anos mais jovem. Manteve tudo em segredo até 2012, quando lançou a biografia Full Service: My Adventures in Hollywood and the Secret Sex Lives of the Stars (‘Serviço Completo: Minhas Aventuras em Hollywood e as Vidas Sexuais Secretas das Estrelas‘, em tradução livre). Foi acusado de desrespeitar a privacidade das estrelas. Scotty respondeu que todos estavam mortos, ninguém sairia prejudicado. Também foi acusado de mentir e exagerar sobre alguns fatos, embora o diretor Matt Tyrnauer, do documentário baseado no livro de Scotty – Scotty and the Secret History of Hollywood, tenha dito que as histórias são verídicas. O que podemos ter certeza mesmo é que Scotty de fato conhecia muita gente em Hollywood.
George Cukor e suas festas de domingo

George Cukor à esquerda, interpretado em Hollywood por Daniel London.

George e Lana Turner, aquela atriz que Henry Wilson (Jim Parsons) disse que nunca mais se atrasou depois que ela o deixou esperando uma vez.

George Cukor e Audrey Hepburn. Ele ganhou o Oscar de melhor diretor pela direção de ‘Minha Bela Dama’.
Rock Hudson

Jake Pinning interpretando Rock Hudson à esquerda e o verdadeiro Rock Hudson à direita.

Elizabeth Taylor e Rock Hudson em cena de Assim Caminha a Humanidade.

Rock com Doris Day. Os dois formaram uma parceria de sucesso ao longo de três filmes e se tornaram grandes amigos.
Antes mesmo desse fato, Rock já havia aparecido publicamente em encontros arranjados com outras atrizes, como foi o caso de Mammie Van Doren, que, recém-chegada em Hollywood, não sabia do segredo aberto de Rock Hudson. Em uma entrevista recente, a atriz relembrou o ocorrido: “Quando eu estava sob contrato, eu não sabia que ele era gay. Estava na minha segunda semana como contratada (do estúdio) quando o departamento de publicidade me ligou e disse que eu iria a um encontro com Rock Hudson. Fiquei tão preocupada. A garota disse casualmente: ‘Você não precisa se preocupar com ele – ele não gosta de garotas’. Então nós saímos…Nos tornamos grandes amigos. Lembro-me dele sendo muito humilde e um cara legal. Então, quando ele ficou doente, foi muito devastador“.

Rock Hudson em McMillan & Wife (1971-1977)
Além de dramas, Hudson ficou eternizado na memória dos cinéfilos pelas comédias românticas que fez com Doris Day (que se tornaria sua amiga até o fim da vida), como Confidências à Meia-Noite, Volta Meu Amor e Não Me Mandem Flores. Sua carreira entrou em declínio na segunda metade dos anos 1960 e ele não emplacou mais nenhum sucesso, mas ainda teve alguns brilharecos como Estação Polar Zebra, que seria um sucesso de bilheteria se o filme não tivesse sido tão caro. Foi nesse período que protagonizou o longa de ficção científica/suspense O Segundo Rosto, que concorreu ao prêmio principal em Cannes. O filme passou batido na época, mas se tornou um clássico cult com o tempo e hoje em dia os críticos consideram esse o seu melhor trabalho.
Henry Wilson
Anna May Wong, chinesa demais para ser americana e americana demais para ser chinesa

Michelle Krusiec à esquerda interpretando Anna May Wong, à direita, em Hollywood.
No segundo episódio de Hollywood, a nova história alternativa de Ryan Murphy sobre a Era de Ouro de Hollywood, o aspirante a diretor Raymond Ainsley (Darren Criss) visita a casa da atriz Anna May Wong. Uma Wong abatida, usando óculos escuros dentro de casa e bebendo uísque em plena manhã (a Wong real de fato tinha problemas com a bebida e fumava demais), refere-se a si mesma como “o grande fantasma“; Enquanto isso, Ainsley, maravilhado por estar cara a cara com a atriz, deixa escapar: “Acho que o que aconteceu com ‘Terra dos Deuses’ foi horrível“.
Embora Ainsley seja um personagem fictício, Wong foi uma pessoa real – na verdade, ela foi a primeira atriz asiática a chegar ao estrelato em Hollywood, e a controvérsia em torno de Terra dos Deuses vive nos anais da história da indústria. A Hollywood de Murphy mergulha brevemente nessa briga; no entanto, o incidente foi apenas uma fração da longa e pioneira carreira de Wong, não apenas como atriz, mas como defensora da representação asiático-americana em Hollywood.
Ela nasceu e criou-se em Los Angeles e, como era apaixonada por filmes, decidiu se tornar atriz aos 16 anos, em 1921. Trabalhou como figurante em vários filmes, até que conseguiu seu primeiro papel em Bits of Life, considerado o primeiro filme feito em formato de antologia; logo depois ganhou sua primeira protagonista em The Toll of the Sea (1922), uma variação da ópera Madame Butterfly que se passa na China, ao invés do Japão, como no original. O longa também é considerado o segundo filme colorido produzido em Hollywood (o primeiro foi The Gulf Between, uma comédia de 1917). A sua interpretação foi bastante elogiada pelos críticos, mas o começo promissor não serviu para livrar Wong dos papeis secundários e estereotipados de mulher exótica que Hollywood lhe relegaria nos próximos anos.
Wong foi apresentada de vez ao público em 1924, em O Ladrão de Bagdá, uma grande produção (como os blockbusters atuais) protagonizada por Douglas Fairbanks, um dos maiores astros da época. O longa foi um sucesso e atualmente é um clássico do cinema mudo. No filme, Anna dá vida a mais um papel estereotipado, uma asiática misteriosa e fora-da-lei.

Peter Pan (1924). Anna May Wong interpretou a Tigrinha no filme, que foi um sucesso quando foi lançado no natal daquele ano.
Ainda no mesmo período, a atriz abriu a Anna May Wong Productions, com o objetivo de fazer filmes sobre sua cultura, porém um sócio desonesto pôs uma pá de cal nos seus planos e a empresa foi dissolvida. Sua etnia também a impossibilitava de ser protagonista e ter um par romântico, principalmente por causa das leis que proibiam casais interraciais, como aconteceu em Mr. Wu (1927), por exemplo, onde a censura da época custou-lhe o papel de protagonista. Como não podia beijar atores brancos na tela, a solução seria escalar um outro ator asiático famoso. Porém, astros asiáticos masculinos eram praticamente inexistentes, só existia Sessue Hayakawa. Como se isso não bastasse, Hollywood sempre a ignorava quando escalava atrizes para papeis asiáticos interessantes, preferindo sempre as brancas.
Frustrada com a falta de papeis interessantes, Anna foi para Europa em 1928. Lá, virou uma sensação, sendo elogiada não só como uma boa atriz, mas como uma beldade. Foi aclamada logo no primeiro filme feito no continente, o drama Song, onde foi uma das protagonistas. Os críticos alemães rasgaram elogios e ignoravam sua origem americana, tratando-a como chinesa. Participou de peças de teatro e de óperas. Porém, sua raça ainda era motivo de controvérsia, considerando que não pôde beijar seu interesse amoroso em Picadilly (1929), fato que foi amenizado pelas críticas excelentes a sua performance e ao sucesso do longa. Sobre sua ida a Europa, ela declarou: “Eu estava tão cansada dos papeis que tive que interpretar. Parece que há pouco para mim em Hollywood, porque, em vez de chineses de verdade, os produtores preferem húngaros, mexicanos e índios americanos para papéis chineses“.
Decidiu voltar aos EUA depois que a Paramount ofereceu-lhe papeis de protagonista e um pagamento maior. A decisão mostrou-se uma decepção e ela recorreu ao teatro e ao cabaret por oportunidades mais interessantes. Foi nesse período que estrelou na Broadway a peça de sucesso On The Spot, que mais tarde foi adaptada no filme Verdugo de Si Mesmo (1938), com Wong reprisando seu papel. Nos bastidores do longa, o diretor Robert Florey pediu a atriz para usar maneirismos japoneses para sua personagem, algo que ela se recusou a fazer.
Com a promessa de um papel em um filme de Josef Von Sternberg, ela aceitou mais um papel estereotipado em A Filha do Dragão (1931), onde interpretou pela última vez o papel de chinesa má. Foi a única vez em que trabalhou com o outro astro asiático em Hollywood, Sessue Hayakawa. Apesar de ser a protagonista, ela recebeu apenas US$ 6 mil pelo papel, Hayakawa recebeu US$ 10 mil e Warner Orland, que só aparece por 20 minutos no filme, recebeu US$ 12 mil. Ao menos ela recebeu o papel no clássico de Von Sternberg – O Expresso de Xangai – protagonizado por Marlene Dietrich que concorreu ao Oscar de melhor filme em 1933. As cenas que protagonizou com Marlene chamaram a atenção pela carga sexual implícita entre as duas atrizes.
Ela retorna mais uma vez a Europa, onde ficaria pelos próximos 3 anos; durante esse período, ela comentou: “Estava tão cansada desses papeis. Por que é que o chinês é quase sempre o vilão da história? Cruel, assassino, traiçoeiro, uma serpente a espreita? Nós não somos assim“. Em 1935, ela decidiu voltar aos EUA para lutar pelo papel de O-lan, protagonista do livro de sucesso Terra dos Deuses, um romance premiado sobre a vida difícil de fazendeiros chineses. Seria a maior decepção de sua carreira. Em Hollywood, ela chegou a fazer o teste para o papel principal, mas na realidade Anna sequer foi considerada como protagonista, ao invés disso recebeu apenas uma proposta para o papel de Lotus, uma concubina. À MGM, ela respondeu o seguinte: “Ficaria feliz em fazer o teste (para Lotus), mas não farei esse papel. Se vocês me deixassem interpretar O-lan, ficarei muito feliz. Mas vocês estão pedindo que eu, com sangue chinês, faça o único papel antipático do filme, com um elenco totalmente americano retratando personagens chineses”. O papel de O-lan foi para a alemã Luise Reiner (outra que tem uma cameo em Hollywood), que tinha apenas dois filmes no currículo e ganharia o Oscar de melhor atriz por O Grande Ziegfeld alguns meses depois em 1936. No ano seguinte, tornou a ganhar o prêmio de novo por Terra dos Deuses, para desgosto de Wong. Na minissérie, ela é mostrada às lagrimas na plateia, vendo Luise Rainer receber o prêmio. O momento foi apenas uma licença poética de Murphy. Na realidade, Wong sequer poderia entrar no hotel onde a premiação ocorreu. O lugar era “só para brancos”.
Cansada de lidar com Hollywood, Anna passa uma temporada na China para se reconectar com suas raízes e levantar o seu moral com a população local, visto que ela sempre fora criticada pela imprensa chinesa por aceitar papeis estereotipados nos filmes, “manchando a imagem dos chineses”. Seu tour foi amplamente acompanhado pela imprensa asiática e ela escreveu sobre sua passagem pelo país em colunas periódicas para a imprensa americana. Sobre as críticas da imprensa chinesa, ela revelou: “É uma situação bastante triste ser rejeitada pelos chineses por ser ‘americana demais’ e pelos produtores americanos, por eles preferirem outras raças para representar papeis chineses“.
Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, ela trabalhou ativamente para arrecadar fundos destinados aos esforço de guerra chinês, o que serviu para conquistar a simpatia do público americano, ainda mais considerando o fato de que a China, assim como os EUA, também era inimiga dos japoneses. Aliás, a atriz sempre fora engajada politicamente, escrevendo artigos para os jornais sobre o assunto antes mesmo da guerra começar.
Beneficiada pela conjuntura política pró-China, ela pôde fugir dos personagens estereotipados em seus últimos filmes para a Paramount, que eram longas de baixo orçamento e muitos deles receberam críticas ruins. Sobre um dos filmes que fez nesse período, Tráfico Humano, onde fez a heroína, ela declarou: “Gosto da minha personagem neste filme mais do que qualquer outra que eu já fiz antes… porque esse filme dá uma folga aos chineses – temos papeis carismáticos para variar! Para mim, isso significa muito“.
Seus últimos filmes em Hollywood foram fortemente influenciados pelo contexto da guerra, com enredos que giravam em torno do conflito e com forte teor anti-japonês. Ainda antes do término da guerra, em 1945, ela mudou de carreira e passou a sobreviver de aluguel dos imóveis que tinha. Só voltou a atuar nos anos 50, na TV, quando protagonizou uma temporada de uma série feita especialmente para ela – The Gallery of Madame Liu-Tsong. Apesar dos planos para a segunda temporada, a série não foi renovada. Sua saúde começou a se deteriorar e ela sofreu uma hemorragia interna em 1953, algo que o irmão dela atribuiu à bebedeira, ao hábito de fumar e a preocupações financeiras. Fez algumas aparições esporádicas na TV. Retornou brevemente ao cinema em 1960, com Retrato em Negro, fazendo mais uma personagem rasa e estereotipada. Seu último trabalho foi no ano seguinte, no programa The Barbara Stanwyck Show. Morreu de uma parada cardíaca 2 dias após a exibição do episódio, enquanto dormia em casa, aos 56 anos.
Em 1959, Wong disse: “Quando eu morrer, meu epitáfio deveria ser: ‘Eu morri mil mortes’. Essa foi a história da minha carreira no cinema. Na maioria das vezes eu estive em histórias de mistério e de intrigas. Eles não sabiam o que fazer comigo no final, então me matavam“. Na Hollywood de Murphy, Wong ganhou uma nova vida, retratando o racismo e o desapontamento inerentes à sua carreira, e dando espaço para que o público lamente junto com ela. Não é um spoiler dizer que, em Hollywood, a história de Wong termina com uma melhoria: desta vez, ela não precisou morrer.
Hattie McDaniel
Hattie McDaniel à esquerda e Queen Latifah à direita, em Hollywood

McDaniel (centro), em frente à sua casa no South Harvard Boulevard, em West Adams, em Los Angeles, com voluntárias da Segunda Guerra Mundial em 1942. McDaniel foi fundamental na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1948, que suprimia as restrições contra os afro-americanos que se mudassem para a área, que fica a sudoeste do centro da cidade.

Hattie McDaniel como a Mammy de … E O Vento Levou, contracenando com Vivien Leigh, a Scarlett O’Hara.

Vivien Leigh

Katie McGuinness (esquerda) interpretando Vivien Leigh (direita)

Marlon Brandon e Vivien Leigh como Blanche DuBois, em Um Bonde Chamado Desejo. O papel lhe rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Tallulah Bankhead

Tallulah Bankhead (esquerda) e Paget Brewster (direita) em Hollywood
A Tallulah Bankhead mostrada em Hollywood não apareceu muito, mas ficou em tela tempo o suficiente para chamar a atenção dos espectadores ao ser retratada como uma mulher promíscua e festeira pela atriz Paget Brewster. Qualquer olhada rápida num texto qualquer sobre a atriz mostra que Ryan Murphy foi bem fiel ao que Tallulah realmente era. A atriz nunca conseguiu replicar no cinema a carreira bem sucedida dos palcos e era mais famosa pelo jeito escandaloso de ser e por suas declarações honestas do que pelo seu trabalho.
De família tradicional da política sulista, Tallulah se mandou para Nova York ainda adolescente, depois de ganhar um papel pequeno num filme. Decidiu ficar por lá e investir na carreira de atriz. Ela disse que o pai a aconselhou ficar longe de bebidas e de homens, mas que não havia falado nada “sobre mulheres e cocaína“. Desinibida e extrovertida, não demorou para se misturar com a classe artística de NY, principalmente o Algonquin Round Table, um grupo diverso que incluía críticos, roteiristas, atores, dramaturgos, poetas, músicos, ativistas, jornalistas, compositores e por aí, que se reuniam espontaneamente em vários lugares, fazendo festas ou simples refeições juntos. Foi numa dessas festas selvagens do Algonquin que Tallulah foi apresentada à cocaína e a maconha. E foi também nesse período que começou a namorar mulheres, como a atriz, diretora e dramaturga Eva Le Galienne e a atriz Blythe Daly, só para citar algumas.

Tallulah Bankhead e Patsy Kelly, sua assistente. Sentiu uma ‘vibe’ gay? Não é por acaso.
Em 1921, aos 19, ela mudou-se para a Inglaterra, onde começou a adquirir prestígio e fama nos palcos ingleses. Voltou aos EUA 10 anos depois para trabalhar em Hollywood. Seu primeiro filme foi com George Cukor – Tarnished Lady (1931). Ela e o diretor viraram amigos rapidamente, mas ela detestou o processo de fazer filmes, achava entediante ficar no set. Inclusive diz que só aceitou filmar Entre Duas Águas (1932) porque queria “foder com aquele divino do Gary Cooper“. Outro problema era que ela odiava Los Angeles, tendo inclusive questionado o produtor todo poderoso da MGM, Irving Thalberg (que ela também pegou), sobre como ele fazia “para transar nessa cidade“, ao passo que ele respondeu: “Você certamente vai achar alguém, é só pedir“.
Se por um lado ela odiava Los Angeles e não gostava de fazer filmes, por outro lado não dava para ignorar que eles pagavam melhor do que no teatro. Assim, continuou conciliando a carreira no cinema com a Broadway. Nesse período, entrou no “livro da ruína”, uma lista de 150 artistas considerados inapropriados para o público, organizada pelo Comitê Hays, liderado pelo político Will H. Hays. O nome de Tallulah estava no topo, algo que ocorreu principalmente por conta de uma entrevista que ela deu na mesma época, onde dizia: “Falo sério sobre o amor. Estou falando sério agora… não tenho um caso há seis meses. Seis meses! É muito tempo… Se há um problema comigo agora, não é Hollywood ou o estado de espírito de Hollywood…O problema comigo é: Eu quero um homem! Seis meses é muito, muito tempo. Eu quero um homem!“. Quando soube que Hays a colocou no topo da tal lista, voltou à imprensa para chamá-lo de imbecil.

Tallulah Bankhead em Um Barco e Nove Destinos (1944).
O único sucesso cinematográfico da carreira de Tallulah foi o suspense de Alfred Hitchcock –Um Barco e Nove Destinos, que lhe rendeu um prêmio de melhor atriz pela associação de críticos de Nova York. Quando recebeu a homenagem, declarou: “Queridos, eu fui maravilhosa!“.
Na década de 1950, foi convidada por Tennessee Williams, de quem era muito amiga, para fazer Blanche DuBois (inspirada nela) na peça Um Bonde Chamado Desejo. Ela recusou e o resto já sabemos. Anos depois, Williams tornou a convidá-la para fazer a personagem em uma nova temporada da peça. Ela decidiu interpretar Blanche de forma caricata, o que fez o amigo chorar de desgosto. Vendo isso (e as críticas ruins), Tallulah decidiu levar o papel a sério, mas já era tarde demais e a nova temporada não durou muito.

Tallulah em sua última performance, como a Viúva Negra na clássica série do Batman, em 1966.
A atriz levou uma vida de excessos desde muito jovem: bebia e fumava muito, usava drogas, abusava dos remédios para dormir e dos remédios para se manter acordada. Sempre falou de seus vícios abertamente. Costumava dizer que era tão pura quanto um chão sujo. Se casou apenas uma vez, em 1938, se divorciando 4 anos depois. Quando questionada sobre o fato por um jornalista, respondeu que nunca mais queria se casar. Também nunca teve filhos. Sofreu 4 abortos antes de ter o útero removido depois de quase morrer de gonorreia, em 1931. Ao médico, ela teria dito: “Não pense que aprendi uma lição com isso” e voltou ao mesmo estilo de vida insano que levava. Naturalmente, isso teve um preço e no fim da vida, ela já não conseguia fazer nada sozinha, de tão debilitada. Tallulah morreu em 1968, aos 66 anos.
Outras edições da coluna:
Contos de Hollywood #02: Katharine Hepburn: Do fundo do poço a recordista do Oscar
Contos de Hollywood #01: Quem foi o produtor que tentou matar um agente por causa de uma atriz?