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Os personagens reais de Mank, principal aposta da Netflix no Oscar 2021

Herman Mankiewicz. Fonte: New Yorker.

Mank já estreou na Netflix há mais de 15 dias, teve boas críticas e promete ser uma das apostas do serviço de streaming na próxima cerimônia do Oscar. E, considerando que a Academia ama filmes que reverenciem Hollywood de alguma maneira, é bem provável que Mank abocanhe algumas indicações importantes.

Para quem não sabe, Mank se passa durante as décadas de 1930 e 1940, e é centrado na vida problemática do roteirista Herman J. Mankiewicz, ou Mank, como foi apelidado por conhecidos na indústria. Obviamente, por ser baseado em fatos reais, Mank não é o único personagem real a aparecer na tela. Outras figuras reais também surgem no longa não só por terem feito parte da vida do roteirista, como também por serem bem conhecidos e influentes durante a época. Confira abaixo estes personagens:

Herman J. Mankiewcz/Mank (Gary Oldman)

Sarah Mankiewicz (Tuppence Middleton) ao lado de “Mank” (Gary Oldman).

 

Já existe um texto mais aprofundado sobre Mank aqui no Nerdzoom. Porém, não faz sentido falar de personagens reais do longa e deixar o protagonista de lado. Então aqui vai um resumo: Herman J. Mankiewicz foi um dos maiores roteiristas de sua época. Sua notoriedade na indústria fez com que ele ganhasse acesso à gente muito importante, como é o caso do magnata das comunicações William Randolph Hearst, que ele usaria como base para criar Charles Foster Kane, protagonista do clássico Cidadão Kane. Apesar da sua importância na indústria da época, seu nome ficou eternizado na memória dos cinéfilos justamente por sua contribuição neste projeto. Além de tudo, também foi um alcoólatra incorrigível, um vício que afetou  sua vida profissional e pessoal. Se casou apenas uma vez, com Sarah Mankiewicz (provável dona de uma paciência gigantesca, já que marido cachaceiro não é fácil), vivida no filme pela atriz Tuppence Middleton (Downton Abbey).

 

William Randolph Hearst (Charles Dance)

William Randolph Hearst (esquerda) e Charles Dance (direita)

 

William Randolph Hearst foi um editor de jornal, empresário, político e dono do maior conglomerado de empresas de comunicação dos EUA na época em que se passa o filme, a Hearst Communications (que continua grande até hoje). Deu início ao seu império depois que seu pai rico comprou um jornal para ele administrar. Seus jornais, revistas e emissoras de rádio ganharam milhões de leitores e ouvintes ao longo dos primeiros 40 anos do conglomerado e podem ser vistos também como bons exemplares do que hoje chamamos de “imprensa marrom”, aquela chegada num sensacionalismo barato.

Durante o período da Grande Depressão, na década de 1930, Hearst quase foi à falência, mas conseguiu manter suas empresas. Como todo homem podre de rico no começo do século XX, Hearst tinha várias amantes. Ele se casou em 1903 com Millicent Wilson, com quem teve cinco filhos. Cansada de tanta infidelidade, ela se separou dele em 1921, mas se recusou a se divorciar do milionário (provavelmente por vingança) e por isso permaneceram casados no papel até a morte dele, em 1951. Na época da separação, ele já vivia um relacionamento com a atriz e comediante Marion Davies, a sua amante favorita. Os dois viveriam juntos até o fim da vida de Hearst, impossibilitados de oficializar a relação porque Hearst não aceitava os termos de separação impostos pela primeira esposa.

O milionário nunca comentou publicamente o que achou de Cidadão Kane, sequer é sabido se ele e Davies chegaram a ver o filme. O fato é que Hearst soube do que a história se tratava e, segundo fontes, encarou a produção como um ataque pessoal, ficando incomodado principalmente com a personagem supostamente inspirada em Marion. Ele proibiu que suas empresas dessem algum pio sobre o filme, e até intimidou exibidores para não exibirem o longa, algo que realmente prejudicou sua bilheteria. Porém, Hearst não conseguiu intimidar Hollywood, que deu a Cidadão Kane nove indicações ao Oscar. Em Mank, ele é vivido por Charles Dance (Game of Thrones)

 

Marion Davies (Amanda Seyfried)

Marion Davies (esquerda), Amanda Seyfried (direita). Fonte: The Independent.

 

Marion Davies mal havia saído da adolescência quando conheceu William Randolph Hearst no final dos anos 1910. Ela era uma Chorus Girl (uma versão americanizada das dançarinas francesas de cabaré) e havia acabado de começar como atriz quando os dois iniciaram um caso. O início da relação coincidiu com a criação da Cosmopolitan Productions, estúdio de cinema fundado por Hearst. Seus filmes inicialmente eram distribuídos pela Paramount e o milionário usava suas revistas para promover os vários projetos da sua produtora. Marion, naturalmente, virou a estrela principal da companhia, sempre atuando como protagonista. Hearst fazia questão de por o rosto e o nome da parceira em tudo quanto fosse possível na época, quando saía algum filme novo da atriz. “Haviam cartazes com meu rosto em todos os lugares“, contou Marion em seu livro de memórias. Ela admite que toda a promoção feita por Hearst “foi exagerada por várias vezes“.

No começo deu certo, Marion foi uma das atrizes mais populares dos EUA durante os primeiros anos da década de 1920 e seus filmes ficaram entre os de maior bilheteria dos seus respectivos anos de lançamento, com destaque para os dramas históricos When Knighthood Was in Flower (segunda maior bilheteria de 1922) e Little Old New York (em terceiro em 1923, de acordo com a revista Variety). Mas nem tudo eram flores. Hearst era muito possessivo e não gostava de ver Marion fazendo cenas de romance, ao ponto de, até mesmo, interferir nas produções, seja reescrevendo cenas, ou dirigindo-as, para desgosto dos diretores. Ele também ignorava o talento da parceira para a comédia, sempre empurrando-a para papeis em dramas históricos onde ela era a mocinha angelical.

Da esquerda para direita: Jack Warner (fundador da WB), Raoul Walsh (diretor), Marion Davies, William R. Hearst e outra convidada em uma das várias festas que deram.

 

No entanto, a carreira dela seguiu bem, fez filmes com Clark Gable (Atriz do Circo, 1932) e com Gary Cooper (A Espiã 13, 1934). E então começou a passar por uma série de revezes tanto na vida pessoal como na profissional. Para começar, sua sobrinha abertamente lésbica – Pepi Lederer – cometeu suicídio aos 25 anos, em 1935. O impacto da tragédia a fez dar uma pausa na carreira. Quando voltou, perdeu dois papeis para Norma Shearer, a esposa do chefe de produção da poderosa MGM – Irving Thalberg. Apesar da amizade de Marion com o casal, Hearst ficou enfurecido, levando a Cosmopolitan Productions a cancelar sua parceria com o estúdio. Àquela altura, o marketing excessivo em volta da atriz já havia se tornado forçado e passou a ter efeito oposto, as pessoas frequentemente a insultavam. Marion também foi confrontada com a dura realidade de ser uma atriz de 40 anos, ela já não conseguia mais papeis de protagonista e decidiu se aposentar de vez. A atriz era alcoólatra e o vício se agravou mais ainda nesse período.

Herman Mankiewicz,  co-roteirista de Cidadão Kane - Meio Bit

Orson Welles ao lado de Herman Mankiewicz, antes de brigarem pelos créditos de Cidadão Kane.

Marion e Hearst também eram destaque em Hollywood pelas festas extravagantes que contavam com a presença da elite da época. Considerando que Mankiewicz era um dos roteiristas mais importantes da indústria, não seria de admirar que também comparecesse a essas festas, como retratado em Mank. O roteirista e o diretor Orson Welles negaram até a morte que Susan Alexander Kane fosse baseada em Davies. Em Cidadão Kane, o protagonista gasta rios de dinheiro para promover a carreira de cantora da esposa sem talento. A repercussão do longa e a associação de Davies a Susan Alexander feita pelo público fez com que Marion ganhasse uma reputação negativa e até injusta ao longo dos anos, porém, ela viveu na extrema riqueza até o fim da vida, quando morreu de câncer em 1961. Já não podemos dizer o mesmo da atriz que interpretou Susan Alexander Kane, Dorothy Comignore, que teve a vida destruída por perseguição da imprensa. No longa de David Fincher, Amanda Seyfried (Mamma Mia!) a interpreta, provavelmente deve ser indicada ao Oscar pelo papel.

 

Irving Thalberg (Ferdinand Kingsley)

Ferdinand Kingsley (esquerda) e Irving Thalberg (direita). Fonte: Town & Country Magazine.

 

Irving Thalberg foi o chefe de produção da Metro Goldwyn-Mayer, o maior estúdio de Hollywood durante os anos 1930 e 1940. Ele era considerado um jovem prodígio como produtor, se tornando chefe de produção da Universal com apenas 20 anos. Em menos de cinco, ele já estaria supervisionando produções gigantescas, como o clássico Ben-Hur (1925), o filme mais caro da era do cinema mudo. Daí conheceu Louis B. Mayer, que o levou para a MGM no final dos anos 1920, então um estúdio em ascensão. Seu talento em saber escolher as pessoas certas para produzir filmes de sucesso o fez ser reverenciado por praticamente todo mundo na indústria. Ele transformou vários atores em estrelas de cinema, incluindo a esposa Norma Shearer (apelidada de “A Primeira-Dama da MGM”), possibilitando que esta ganhasse dois Oscars de melhor atriz. Sua morte repentina por pneumonia, aos 37 anos em 1936, chocou toda a Hollywood. O falecimento dele também enterrou a carreira de atriz da viúva Norma, que, sem a orientação do marido, escolheu projetos ruins que fracassaram nas bilheterias, empurrando-a para a aposentadoria. Ela não está em Mank, ao contrário de Irving, que aqui é interpretado por Ferdinand Kingsley (Drácula – A História Nunca Contada).

 

Louis B. Mayer (Arliss Howard)

Arliss Howard à esquerda. L.B Mayer à direita.

 

Louis B. Mayer foi um dos fundadores da Metro Goldwyn-Meyer, que durante a Era de Ouro esteve para Hollywood, assim como a Globo está para o cenário artístico brasileiro. Ele esteve à frente do estúdio até o começo dos anos 1950, quando o cinema começou a perder espaço para a TV, e ele, por consequência, foi demitido do cargo de chefe. A MGM nunca mais recuperou a grandeza de antigamente depois destes anos. Arliss Howard (Jurassic Park, Full Metal Jack) o interpreta em Mank.

 

Orson Welles (Tom Burke)

Tom Burke e Orson Welles, respectivamente

 

Tom Burke é mais conhecido por suas aparições em programas da BBC como The Musketeers e War & Peace, mas aqui ele dá vida ao famoso ator/diretor/produtor e roteirista Orson Welles, considerado um dos maiores cineastas de todos os tempos. Ganhou notoriedade já de cara, ao protagonizar, produzir, dirigir e (supostamente) co-escrever Cidadão Kane, lançado quando Welles tinha apenas 26 anos. Outros filmes de Welles incluem Soberba (1942), A Dama de Shangai (1947), A Marca da Maldade (1958), O Processo (1962), Verdades e Mentiras (1973) e Do Outro Lado do Vento (2018), mas nenhum deles ficou tão eternizado na memória coletiva quanto Cidadão Kane (1941). Outro projeto conhecido de Welles foi a adaptação do romance de H.G Wells – Guerra dos Mundos – dirigida e narrada por ele durante uma transmissão de rádio em 1938.

 

John Houseman (Sam Troughton)

Sam Troughton, de Chernobyl, aparece em Mank como o produtor de Cidadão Kane,  John Houseman. Ele também trabalhou como ator. Já como produtor, participou de produções da MGM, RKO, da Paramount e de muitos outros estúdios. Eventualmente brigou com Welles, assumindo o lado de Herman J. Mankiewicz na disputa pelos créditos do roteiro de Cidadão Kane.

 

David O. Selznick (Toby Leonard Moore)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

Toby Leonard Moore (Demolidor, Billions) faz uma breve aparição como David O. Selznick, a quem Mank e seus co-roteiristas apresentam um argumento de um filme de horror ridículo. Selznick foi outro grande produtor da MGM. Ele deixou o estúdio em 1935 para formar sua própria produtora, a Selznick International Pictures, que não durou muito, mas existiu tempo o suficiente para lançar vencedores de Oscar como …E O Vento Levou (1939), Rebecca – A Mulher Inesquecível (1940) e Nasce Uma Estrela (1937).

 

Joseph Mankiewicz (Tom Pelphrey)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

Tom Pelphrey (Punho de Ferro, Ozark) interpreta o irmão mais novo de Herman J. Mankiewicz, que também era roteirista. Embora não tenha relação com Cidadão Kane, ele construiu uma reputação própria como cineasta, vencendo dois Oscars consecutivos de melhor direção e roteiro por Quem é o Infiel? (1949) e A Malvada (1950). Ele também produziu mais de 20 filmes, incluindo Núpcias de um Escândalo (1940).

 

Charles Lederer (Joseph Cross)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

Joseph Cross (Big Little Lies, Mindhunter) faz uma aparição breve e memorável como um jovem Charles Lederer, participando de uma reunião com Mank e companhia. Lederer era o sobrinho favorito de Marion Davies, foi criado por ela e por Hearst. Ele se tornaria roteirista de filmes como Última Hora (1931), Jejum de Amor (1940), Os Homens Preferem as Loiras (1953), A Águia Solitária (1957), 11 Homens e Um Segredo (1960) e O Grande Motim (1962).

 

Ben Hecht (Jeff Harms)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

Jeff Harms (The Rise and Fall of the Brown Buffalo) aparece em Mank como Ben Hecht, um prolífico roteirista que ganhou seu primeiro Oscar pelo longa Underworld (1927). Ele também é conhecido por escrever, dirigir e produzir o filme ganhador de Oscar, Anjos da Broadway (1940), por escrever o sucesso da Broadway A Primeira Página e por muitos outros projetos, incluindo colaborações com Mankiewicz, Lederer e Selznick.

 

Charles MacArthur (John Churchill)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

John Churchill aparece como Charles MacArthur, um dramaturgo, roteirista e colaborador frequente de Ben Hecht, com quem escreveu o longa ganhador do Oscar de melhor filme em 1936, O Energúmeno (1935). Os dois também receberam uma indicação por terem escrito a adaptação para os cinemas de O Morro dos Ventos Uivantes (1938).

 

George S. Kaufman (Adam Shapiro)

Mank Cast Guide: Old Hollywood Figures in 'Mank'

Adam Shapiro (The Affair) surge como George S. Kaufman, dramaturgo, diretor de teatro, ganhador do Tony em 1951 pelo musical Guys and Dolls e ganhou um Pulitzer por escrever o musical Of Thee I Sing, em 1932. Ganhou o mesmo prêmio em 1937 pela peça You Can’t Take It with You.

Josef Von Sternberg (Paul Fox)

Paul Fox faz uma breve aparição como Josef Von Sternberg, quando Mank e seus amigos apresentam o argumento do filme de horror para Selznick. Sternberg  foi um aclamado cineasta autríaco-americano do cinema mudo que mais tarde se tornaria famoso por sua parceria com a atriz Marlene Dietrich durante a década de 1930, incluindo o longa O Anjo Azul (1930). Ele foi indicado a melhor diretor por Marrocos (1930) e O Expresso Xangai (1932).

 

S.J. Perelman (Jack Romano)

SJ Perelman in Mank

Jack Romano interpreta S.J. Perelman, outro roteirista que participa da reunião de Mank com Selznick para apresentar o filme de monstro. Perelman foi um roteirista e humorista famoso, que escreveu vários textos para a The New Yorker e fez vários roteiros, incluindo o de alguns filmes dos irmãos Marx e do longa A Volta ao Mundo em 80 Dias (1956), que ganhou o Oscar de melhor filme.