No próximo dia 21, chegará ao catálogo da Amazon Prime o longa Being The Ricardos, que se passa nos bastidores da icônica série de comédia I Love Lucy. O programa, uma sitcom cujos episódios eram de 20 min, foi transmitida pelo canal CBS de 1951 até 1957 e entrou para a história da TV americana.
Os episódios giravam em torno do casal Lucy e Ricky Ricardo, interpretados por Lucille Ball e Desi Arnaz, casados também na vida real. Lucy era a típica dona de casa atrapalhada dos anos 1950, enquanto Ricky era líder de uma banda musical. O casal era amigo de outro casal de vizinhos, Fred Mertz (William Frauley) e Ethel Mertz (Vivian Vance) e juntos viviam altas confusões.
Quanto ao casal principal, Lucille era do interior do estado americano de Nova Iorque e trabalhava em Hollywood desde os anos 1930. Fez carreira em filmes B e depois fez o salto para a televisão, onde trabalhou não só como atriz, mas também como produtora (a primeira mulher a atuar como executiva à frente de uma companhia de produção televisiva).
Já o marido, Desi Arnaz, era cubano vindo de uma família rica e influente na política local. Eles tiveram todos os bens confiscados e alguns membros da família de Arnaz chegaram a ser presos em meio à crise política ocorrida em Cuba, no começo dos anos 1930. A partir daí decidiram fugir para os EUA, onde os Arnaz recomeçaram a vida. Porém, ao contrário do que é afirmado em Being The Ricardos, não foram os ‘bolcheviques’ que se apropriaram dos bens da família, e sim os aliados de Fulgêncio Batista. Os comunistas cubanos da época apoiaram o governo deposto, liderado por Gerardo Machado. O comunismo só chegaria ao poder em Cuba em 1958, alguns anos depois dos eventos retratados no filme.
Desi recomeçou a vida nos EUA como músico, daí foi para Los Angeles, onde conseguiu alguns bicos como ator. Mas seu destaque mesmo como intérprete foi ao lado da esposa em I Love Lucy, e em Luci-Desi Comedy Hour, que basicamente foi uma continuação de I Love Lucy, transmitida por mais 3 temporadas, de 1958 a 1960. A diferença é que uma temporada do Comedy Hour era composta por 3 episódios de uma hora de duração cada, ao contrário dos 27 episódios de 20 minutos das temporadas do sucesso anterior.
Desi alegou motivos de saúde para justificar o fim de I Love Lucy e o início do novo projeto. Segundo ele, as gravações da série exigiam demais dele; no entanto, a menor quantidade de episódios de Luci-Desi Comedy Hour reflete o distanciamento e a frieza cada vez maiores entre o casal. Em 1960, a união chegou ao fim, ano em que ambos foram Lucy e Ricky Ricardo pela última vez.
Curiosamente, o começo deles também não foi assim tão amigável.
O começo
Quando Desi Arnaz viu Lucille Ball pela primeira vez no refeitório do estúdio RKO Pictures, em Hollywood, no início de 1940, ele não ficou muito impressionado.
O líder de banda cubano que virou ator novato fez uma observação depreciativa sobre a aparência da então atriz de filme B. “Ele não ficou nem um pouco impressionado e chamou-a de prostituta de ’10 centavos’, uma p*”, disse o biógrafo de Lucille, Darwin Porter, ao jornal americano The Post. Ele observa que a atriz, na época com 28 anos (cinco anos mais velha que Desi) estava vestida para um papel de dançarina burlesca no filme “A Vida é uma Dança”, com Maureen O’Hara.
Mais tarde naquele dia, Lucille reapareceu com um suéter amarelo mais elegante, calça bege e salto alto, com o cabelo perfeitamente penteado.
“O caso de amor deles começou imediatamente”, acrescentou Porter, cujo novo livro com o co-autor Danforth Prince, “The Sad & Tragic Ending of Lucille Ball: Volume 2,” (O Triste e Trágico Fim de Lucille Ball: Volume 2, em tradução livre) foi lançado nos EUA no começo deste mês, ainda sem data para chegar ao Brasil.

Desi Arnaz e Lucille Ball, ainda nos anos 1940.
Ainda assim, o casal – que uma década depois se tornaria imortalizado como os adoráveis Ricardos em I Love Lucy” – continuou namorando outras pessoas, até mesmo antes das suas núpcias em novembro de 1940.
Desi supostamente levou a atriz Ginger Rogers – também suspostamente grávida de seu filho, segundo Porter – até o Canadá para que ela o abortasse. Enquanto isso, Ball tinha uns namoricos com um político local que conheceu em Milwaukee durante uma turnê de imprensa, e ainda estava tendo um caso com Henry Fonda que começou em 1939, ainda segundo Porter.
“Estava ficando pitoresco”, disse Porter, acrescentando que o casamento apressado foi fruto do capricho do “impulsivo” Desi.
“Uma manhã, após uma noite de sexo intenso, aparentemente, ele a acordou às 6h30 e disse: ‘Vamos nos casar.’ Ele cancelou sua apresentação matinê no Roxy, em Nova Iorque, e dirigiram até Greenwich, no Estado americano de Connecticut, para uma cerimônia sem nenhum amigo presente ou mesmo um vestido de noiva tradicional. Quando os recém-casados voltaram à cidade mais tarde naquele dia, para uma reunião com o presidente da RKO, George Schaefer, Arnaz se esqueceu de fechar o zíper das calças. Sem hesitar, Lucille disparou: “George, Desi acredita em publicidade”.
Na verdade, quase nada sobre o amado casal fictício de “I Love Lucy” era real. O relacionamento charmoso e inocente deles foi criado apenas para o seriado, no qual Ricky, um líder de banda em ascensão, e Lucy, uma dona de casa maluca, brincavam e caíam na gargalhada.
Agora, o novo filme “Being the Ricardos“, estrelado por Nicole Kidman e Javier Bardem, que estreará na Amazon Prime em 21 de dezembro, ilumina a dupla da vida real. Casados por 20 anos turbulentos, eles sofreram situações humilhantes, incluindo infidelidades públicas e, como destacado no filme, o escrutínio do FBI em cima de Lucille por causa de suas simpatias comunistas que ameaçaram torpedear sua carreira.
A união tempestuosa foi difícil desde o começo: durante a primeira semana de vida como um homem casado, Desi teria visitado Polly Adler – então a prostituta mais famosa de Nova York. “Ele parecia ter uma predileção por garotas de programa”, disse Porter, acrescentando: “Quando Desi se casou, ele disse: ‘Sua esposa é diferente, você a respeita e a ama; essas bobagens que o homem faz em paralelo não possuem importância alguma.’ Lucille não concordou, claro. ”
Mas Ball também estava longe de ser uma esposa fiel, continuando suas aventuras com Fonda e outros mesmo depois do casamento. “Aos 16 anos ela recebeu o apelido de ‘Jamestown Hussy’ (algo como “a safada de Jamestown)”, disse Porter sobre a juventude de Ball no interior do estado de Nova Iorque. “Lucille gostava mesmo de homens. Ela dizia: ‘Estou sempre me apaixonando, não consigo evitar.’ ” Dizem que ela tinha um apetite sexual voraz, os casos eram tanto por luxúria quanto para se vingar de Desi por suas famosas puladas de cerca. Os flertes e a desconfiança definiram o relacionamento dos dois.
“Eles nunca foram Lucy e Ricky Ricardo”, disse Porter.
Felizmente, as brigas não descambavam para agressões físicas. “Eles não eram Richard Burton e Elizabeth Taylor, que se estapeavam com força, mas eles chegaram muitas vezes ao limite emocional – xingando um ao outro e jogando objetos”, disse ele.
Lucille até pediu o divórcio em 1944, o que alguns acreditam ter sido uma tática para mostrar ao marido que ela falava sério. “Ele sabia que a maneira de evitar o divórcio seria ir para casa e jogá-la na cama”, disse Porter. O divórcio foi cancelado imediatamente.
“Eles tiveram seu caso de amor louco, e o sexo teve muito a ver com o relacionamento”, disse Porter, acrescentando que Ball mais tarde iria se gabar para as co-estrelas de “I Love Lucy”, Vivian Vance e William Frawley, sobre o “ótimo sexo” do casal. Ela sempre se gabou de seu garanhão cubano. E ele pensava nela como uma mulher ‘gostosa’.”
Apesar do drama em casa, a carreira de Ball estava decolando.

Lucille Ball pediu o divórcio em 1944, mas Desi Arnaz sabia como reconquistá-la: “Vá para casa e jogue-a na cama”. A vida sexual do casal era a cola que os mantinha juntos.
I Love Lucy
Depois de uma temporada de sucesso com seu programa de rádio “My Favorite Husband“, durante o qual Lucille cultivou seu talento como comediante, a CBS ofereceu à atriz o show de sua vida, a série de televisão “I Love Lucy“, mas havia um problema: eles a queriam atuando com sua co-estrela de My Favorite Husband, Richard Denning, que interpretava o seu marido.
Lucille precisava do projeto. “Ela era uma atriz de filme B, e até isso estava se despedaçando – o seriado era sua última chance. Ela foi demitida pela RKO e sua carreira estava no fim ”, disse Darin Strauss ao New York Post, autor do romance “The Queen of Tuesday ” (A Rainha da Terça-Feira, em tradução livre).
Ball queria que a CBS escalasse Arnaz para o lugar de Denning, mas o estúdio ficou com medo de retratar um casamento interracial entre uma mulher branca e um cubano. Porém a incansável Lucille não recuou, tanto por razões pessoais como práticas. “Ela sabia que Arnaz a trairia se não estivesse por perto”, disse Strauss. “Ela disse: ‘Se eu estiver gravando o programa e ele estiver em turnê, o casamento nunca vai durar’”.
Ball prevaleceu e seu marido na vida real conseguiu o papel. Infelizmente, manter Arnaz por perto não funcionou. “Ele a traiu de qualquer forma”, disse Strauss, acrescentando que, em um cenário mais amplo, a escalação de Desi foi um marco positivo para os EUA. “Acho que realmente ajudou a América em suas relações raciais – o casamento mais popular na América era entre uma mulher branca e um homem cubano.”
O seriado foi líder de audiência em suas seis temporadas, de outubro de 1951 a maio de 1957, e Ball se tornou a namoradinha da América. Mas isso não impediu que o medo da “Ameaça Vermelha” que tomou conta dos EUA colocasse Lucille em sua mira. O notório “Comitê de Atividades Não Americanas da Câmara”, que investigou o comunismo em Hollywood e na sociedade, interrogou a atriz em abril de 1952 e em setembro de 1953.
Quando sua suposta simpatia pelo comunismo foi exposta pela personalidade do rádio Walter Winchell, Ball deu uma entrevista coletiva explicando que ela havia se registrado no Partido Comunista em 1936 para agradar seu avô socialista. Mas Strauss disse que as simpatias eram de fato reais, com Ball organizando reuniões comunistas em sua casa nos anos 30 e votando duas vezes em um candidato socialista. Strauss disse que suas inclinações políticas da era da Depressão “mudaram quando ela envelheceu, se casou com Desi e se tornou uma empresária e capitalista de muito sucesso”, mas mesmo assim seu passado a afetou.
Enquanto muitas carreiras desmoronaram sob alegações menores, a de Lucille permaneceu intocada: “ela era tão amada, as pessoas simplesmente acreditaram em sua desculpa e realmente não houve muita investigação“, disse Strauss. “Desi apareceu e brincou: ‘A única coisa vermelha nela é o cabelo – e até isso não é real’”
Nos bastidores, porém, Arnaz se irritava por ficar na sombra da esposa. As pessoas o chamavam de Sr. Ball – e isso foi um grande golpe para o seu ego. “Ele se ressentiu, mas o programa era a sua mina de ouro. E Lucille estava trazendo o ouro”, disse Porter.
Outro escândalo logo abalaria o casamento. Em janeiro de 1955, a revista de fofoca Confidential publicou uma história sobre as interações de Arnaz com “garotas que trocam carícias por dinheiro” em seu bangalô no Beverly Hills Hotel. Ball, sempre esperta, habilmente desviou a atenção da mídia com bom humor, “desmentindo-a em tom de brincadeira“, disse Strauss. “Mas foi doloroso, porque era verdade.”
De fato, o programa era a única coisa que os mantinha juntos. “No final da série, o casamento estava em ruínas”, disse Strauss. Fato confirmado pela filha mais velha do casal, Lucie Arnaz, que disse que o processo de divórcio foi horrível.
“O último beijo que eles trocaram foi o último beijo do último episódio de seu último programa”, disse Strauss. Ball comprou a participação de Arnaz na produtora que administravam juntos – a Desilu – e se tornou uma poderosa executiva de estúdio, lançando sucessos como “Star Trek” e “Missão: impossível”.
Depois de dois filhos e duas décadas de casamento, Ball e Arnaz se divorciaram, mas ela disse que ele era o amor de sua vida. O casal se divorciou em maio de 1960. Ball se casaria com o comediante Gary Morton no ano seguinte, enquanto Arnaz se casaria com Edith Mack Hirsch em 1963.
Mesmo assim, o último telefonema que Desi aceitou em seu leito de morte, em 1986, foi de Lucille.
“Mesmo quando ela se casou novamente”, disse Strauss, “Ball disse que Arnaz foi o amor da vida dela – não é o tipo de coisa que seu segundo marido quer ouvir”.