O diretor americano Stanley Donen faleceu há uma semana, dia 21/02, aos 94 anos. Você pode nunca ter assistido a um de seus filmes, ou até mesmo nunca ter ouvido falar dele, mas certamente já ouviu falar de pelo menos um de seus trabalhos, desde Cantando na Chuva, em 1952, passando por Cinderela em Paris, Charada, até O Pequeno Príncipe (1974).

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Stanley Donen e Audrey Hepburn, nos batidores de “Charada” (1962)

Stanley começou a carreira de diretor “chutando a porta” em 1949, aos 25 anos, quando co-dirigiu o musical de sucesso Um Dia Em Nova York, com o amigo Gene Kelly. Virou uma grande promessa a partir de então, conseguindo um contrato de sete anos com o maior estúdio de Hollywood da época, a MGM. Seu prestígio só aumentou mais ainda quando co-dirigiu, também com Kelly, Cantando na Chuva (1952), um dos maiores clássicos do cinema.

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Gene Kelly em “Cantando na Chuva” (1952). O ator, coreógrafo, diretor, produtor e dançarino se tornou amigo de Stanley Donen ainda nos tempos de Broadway. A relação dos dois se desgastaria por causa de desavenças envolvendo os créditos pelo sucesso de seus filmes e por mulheres.

Antes de exercer a direção, Stanley já trabalhava em Hollywood como dançarino e coreógrafo, profissão que já exercia há alguns anos na Broadway, onde conheceu Gene Kelly, cujo sucesso nos palcos já chamava a atenção dos executivos de Hollywood. A parceria de ambos iniciou-se quando Kelly convidou Donen, então assistente de direção de palco, para ser seu assistente de coreografias. Algum tempo depois, o artista se mudaria em definitivo para o cinema, onde alcançaria a fama em 1944, com o musical Modelos, no qual também contou com a ajuda de Stanley para a coreografia.

A parceria de ambos foi encerrada com o filme “Dançando nas Nuvens“, lançado em 1955 quando o clima nos sets entre ambos era tão ruim, que mal se falavam. Desavenças profissionais e pessoais desgastaram aos poucos o relacionamento entre Kelly e Donen. Para começar, Donen sempre acusou Kelly de não dar o devido crédito por sua colaboração na parceria entre os dois e, para piorar, a esposa de Donen, Jeanne Coyne, ficou ao lado de Kelly quando o marido expressou seu desagrado com o amigo.

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Bastidores de “Cantando na Chuva”. Gene Kelly (no centro) dá aquela encarada na Jeanne Coyne (esquerda). Donen, ainda marido dela, está entre ambos. Já deu para adivinhar o que aconteceria a seguir, não é mesmo?

A também coreógrafa Jeanne Coyne já tinha uma quedinha por Kelly desde muito jovem. O caminho de ambos se cruzou quando ela foi escalada para o filme Rainha dos Corações (1943), para trabalhar como assistente de coreografia para Kelly, e foi ali que ela também conheceu Stanley. Os dois se casaram em 1948, mas era fato notório que eram infelizes, viviam brigando. Enquanto isso, os rumores corriam de que ela e Kelly se pegavam às escondidas, mas até hoje ninguém conseguiu confirmar se isso era verdade. Fato mesmo é que Donen e Coyne se separaram de vez em 1951. Já Kelly se divorciou da esposa Betsy Blair em 1957, quando finalmente correu para os braços de Jeanne. Os dois se casaram em 1960 e ficaram juntos até a morte dela por leucemia, em 1973.

No âmbito profissional, é curioso notar que Donen e Kelly se pareciam bastante com os personagens principais de Cantando na Chuva: de um lado, estava o mentor, mais velho, mais experiente e mais famoso e do outro, o pupilo, que o admirava e aprendia com este mentor. Porém, desde a primeira parceria dos dois juntos, Donen já reclamava da falta de consideração de Kelly por seu trabalho, enquanto este, por sua vez, se julgava o responsável pelo sucesso da dupla, pois tinha mais experiência e era um artista mais completo. O fato de Gene Kelly ser muito competitivo (ele não suportava não ser o melhor) provavelmente só jogou mais sal na ferida. O ápice das desavenças, como já dito, aconteceu em Dançando Na Nuvens, quando Donen quase abandonou a co-direção do longa depois de sair na porrada com Kelly.  A relação dos dois jamais seria a mesma dali em diante.

Daí vieram outros sucessos, como o musical Sete Noivas para Sete Irmãos, Um Pijama Para Dois e Cinderela em Paris, este último com Fred Astaire e Audrey Hepburn. E então a era de ouro dos musicais acabou, bem como a relevância de Donen para a indústria. Em 1963, o cineasta francês Jean-Luc Godard não economizou no veneno ao questionar o que aconteceu ao brilhantismo dos primeiros filmes de Donen:

Com a cumplicidade de Vera-Ellen, Doris Day, Suzy Parker e Audrey Hepburn, verificou o aforisma segundo o qual fazer cinema é fazer belas mulheres fazerem belas coisas. Ele dançou durante o verão, e foi um verão prodigioso. Depois, como a cigarra, apagou-se […] Hoje, é um velho jovem prodígio que escorrega docemente pela ladeira negulesqueira (referência ao fraco diretor Jean Negulesco)”.

Tudo bem que em 1963 estas palavras de Godard pareciam duras demais, principalmente quando foi neste ano que aconteceu o lançamento de Charada, um suspense que também foi a maior bilheteria da carreira de Donen, filme que hoje é conhecido por uns como um “Hitchcock sem glamour” ou como “O melhor filme do Hitchcock que não foi dirigido por Hitchcock” por outros. Como bem lembra Inácio Araújo, da Folha de SP, em sua coluna sobre a morte de Donen: “o diretor soube usar muito bem o charme de atores muito carismáticos em favor de suas obras, como foi o caso de Cary Grant e Audrey Hepburn em Charada, e de Sophia Loren e Gregory Peck em Arabesque (1966), mas daí em diante, Godard estava correto em suas opiniões”.

Com o fim da era dos grandes musicais, o cinema se voltou para uma realidade mais fria e mais pé no chão, o que viria a culminar na Nova Hollywood dos anos 1970, onde filmes com a estética e o sentimento de Taxi Driver (1976) eram a norma. Não havia mais espaço para alguém como Stanley Donen, cujos musicais retratavam um mundo encantado. Ele parou no tempo e um de seus últimos trabalhos foi justamente um videoclipe do Lionel Ritchie, que parece evocar, de alguma maneira, o espírito daquela época. O clipe em questão contém uma referência a uma cena famosa dirigida por ele, conforme veremos mais adiante.

 

Apesar dos pesares, Donen trouxe filmes e momentos marcantes para o cinema, seja através de sua criatividade em elaborar números musicais, seja através das técnicas que inventou para tirar esses números do papel. Confira a seguir uma lista de momentos marcantes da carreira de Stanley Donen:

 

  • Modelos (Cover Girl) – 1944

Aqui ele foi apenas um coreógrafo e co-dirigiu com Gene Kelly uma das cenas mais conhecidas do longa, que é o momento em que o personagem de Kelly dança com o próprio reflexo:

Foi Donen que surgiu com a ideia, ele próprio desenvolveu a coreografia e teve que dirigir a cena ao lado de Kelly, pois o diretor, Charles Vidor, estava convencido de que a ideia não iria dar certo. Kelly usou um truque de superimposição de imagens, para dar um efeito “fantasmagórico” no seu duplo e Donen passou um ano inteiro editando a cena do “alter ego”. Hoje isso não é nada demais, mas em 1944 essas coisas eram um trabalho de presidiário chinês. Curioso? Veja a cena completa aqui.

 

O filme transformou Gene Kelly e Rita Hayworth, a protagonista do longa, em estrelas de cinema e o projeto ganhou três Oscars, incluindo o de melhor canção, com a música Long Ago (and Far Away).

 

  • Marujos do Amor (Anchors Aweigh) – 1945

O musical Marujos do amor (1945) é bem mais conhecido pela cena de dança entre Gene Kelly e Jerry do que por qualquer outra coisa que esse filme apresente. Donen, de novo, surgiu com a ideia e também coreografou a cena, que foi a primeira interação entre humano e desenho em filmes:

 

  • Um Dia em Nova York (On The Town) – 1949

Enquanto Kelly estava servindo ao exército durante a guerra, Stanley Donen continuou a coreografar para outros filmes e a respeito desse meio-tempo alegou: “Eu pratiquei meu ofício, trabalhando com música, trilha e fotografia. Eu sempre dirigia as sequências e sempre tentei ter uma ideia original sobre como fazer números musicais“.

Quando Kelly voltou, Stanley e ele tentaram dirigir um longa juntos – A Bela Ditadora – mas, ao invés disso, ficaram encarregados apenas dos números musicais, como sempre. A chance veio alguns meses depois, após o sucesso de A Bela Ditadora, quando a MGM permitiu que Donen e Kelly co-dirigissem Um Dia em Nova York. O longa era co-protagonizado por Kelly, Jules Munshin (desconheço) e Frank Sinatra, que vivem três marinheiros que ficam de bobeira em Nova York, cantando e dançando aleatoriamente pela cidade enquanto buscam uma transa.

Frank Sinatra e os colegas cantando ‘New York, New York’. A outra ‘New York, New York’ cantada por ele é bem melhor.

O filme foi um sucesso de crítica e de público e anos mais tarde, Kelly diria: “Éramos um bom time. Achei que complementávamos um ao outro muito bem“. Donen, com apenas 25 anos na época, foi visto como um prodígio, o que rendeu um contrato com a MGM, o maior estúdio da época.

 

  • Núpcias Reais (Royal Wedding) – 1951

Em seguida, Donen assinou um contrato de sete anos como diretor para a MGM (era assim que funcionava no antigo sistema de estúdios de Hollywood). O primeiro filme dessa leva foi Núpcias Reais, onde Donen dirigiu seu ídolo de infância, Fred Astaire, cuja própria vida serviu de inspiração para o longa. Na história, o personagem de Astaire e sua irmã (vivida por Sarah Churchill, filha do Winston Churchill) ganham a vida como artistas. Os dois são contratados para se apresentar no casamento real inglês dos príncipes Elizabeth e Philip, em 1947, mas a parceria entra em risco quando a irmã se envolve romanticamente com um cara, o que a faz considerar em encerrar a parceria artística com o irmão. Astaire viveu algo parecido: ganhava a vida dançando com a irmã desde pequeno, até que ela se casou com um lorde inglês. Astaire precisou se reinventar como artista e foi para Hollywood, onde ajudou a moldar o gênero musical.

Fred Astaire e Jane Powell em “Núpcias Reais” (1951), de Stanley Donen.

Voltando a Núpcias Reais, foi de Astaire a ideia de mostrar o personagem dançando e cantando You’re All The World To Me enquanto desafia a gravidade, porém, coube a Donen se virar para conseguir tirar a ideia de Astaire do papel. De novo, sai uma cena que impede o filme de ser esquecido:

O set foi montado em uma estrutura giratória e a câmera acompanhava os movimentos giratórios do set. Bacana, não é? Hoje provavelmente seria feito no CGI. A cena serviu de inspiração para o clipe de Dancing on the Ceilling, canção de Lionel Ricthie mencionada logo acima. O astro prestou uma homenagem a Fred Astaire, dançando e andando pelas paredes. Anos mais tarde, a cena também foi revisitada no seriado Glee.

Esse vídeo ajuda a ter uma compreensão de como a cena foi feita:

 

  • Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain) – 1952

O filme se passa no final da década de 1920, nos últimos dias do cinema mudo, e narra a história de dois artistas de sucesso: Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen). Eles são os astros mais famosos da época e a mídia se aproveita de um suposto relacionamento íntimo entre ambos, o que não existe, sendo apenas uma forma do estúdio gerar interesse nos filmes da dupla. A situação muda drasticamente com a chegada do cinema falado, fazendo com que Lockwood, Lamont e companhia tentem se readaptar a nova realidade, o que não será nada fácil.

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Da esquerda para direita: Donald O’Connor (o outro protagonista masculino do longa), Stanley Donen e Gene Kelly.

Donald O’Connor, Debbie Reynolds (mãe da Princesa Leia) e Gene Kelly. O’Connor servia de saco de pancadas para Kelly quando este queria gritar com Reynolds. A atriz chorou várias vezes com as exigências de Kelly e, para não piorar o clima, o ator e diretor descontava no colega, que aguentava melhor as suas queixas.

Donald O’Connor fumava demais e teve que ir ao hospital depois de filmar essa cena. Como o resultado não ficou muito bom, ele teve que fazer tudo de novo.

Debbie Reynolds (aqui Kathy Selden) novinha, com apenas 19 anos. Morava com os pais, tão longe do estúdio que às vezes dormia por lá para não chegar atrasada no trabalho.

Os exageros de Cantando na Chuva se justificam pelo fato do longa ser uma sátira dos musicais, o que torna curioso o filme ter virado um símbolo das obras que satirizou. Praticamente a maioria dos números musicais são conhecidos em algum nível, seja o da Debbie Reynolds saindo do bolo, seja pela cena romântica entre ela e Kelly, ou pelo trio principal cantando Good Morning, que certamente você deve ter visto em algum lugar:

 

Mas a canção pela qual o filme ficou conhecida é, obviamente a que dá o título ao longa. Curiosamente, ela não é uma música original para o filme, foi cantada pela primeira vez em 1929 por um cara chamado Cliff Howard, como vocês podem ouvir aqui, caso tenham curiosidade.

https://www.youtube.com/watch?v=D1ZYhVpdXbQ&t=162s

Gene Kelly gravou a cena com uma febre de quase 40 graus, apesar da insistência de Donen para que este fosse para casa. O momento virou icônico.

Curiosidade: Malcom McDowell, o Alex DeLarge de Laranja Mecânica, cantou a música no improviso, enquanto realizava uma cena de estupro. O diretor Stanley Kubrick amou isso e deixou no corte final da cena. O uso da música deixou Gene Kelly puto da vida com Kubrick, pois o diretor nunca quis pagar pelos direitos de uso da canção e, segundo McDowell, Kurbrick ainda disse que Kelly deveria se sentir recompensado, pois a música estava sendo usada em um filme de Stanley Kubrick. Quanta arrogância. Tudo bem que era o Kubrick, mas ainda assim.

Por incrível que pareça, o filme não foi o maior sucesso do ano quando foi lançado em 1952, ficando atrás de O Maior Espetáculo da Terra (maior bilheteria daquele ano), As Neves do Kilimanjaro, Matar ou Morrer e Depois do Vendaval, nessa ordem. O longa foi amado pela crítica desde o lançamento, mas apesar do amor dos críticos, o filme quase passou batido no Oscar, sendo indicado apenas ao prêmio de melhor atriz coadjuvante para Jean Hagen e de melhor trilha sonora de musical, categoria não mais existente hoje em dia. Não ganhou nenhum dos dois troféus. Engraçado que ninguém mais se lembra do vencedor do Oscar daquele ano: O Maior Espetáculo da Terra, considerado pela crítica especializada como o pior vencedor de todas as edições do prêmio. Aliás, ninguém mais se lembra de nenhum dos indicados da 25ª cerimônia do Oscar, exceto por Cantando na Chuva. Talvez algum cinéfilo de boa memória se lembre de Moulin Rouge ou de Ivanhoé, mas Cantando na Chuva é clássico absoluto.

 

  • Procura-se Uma Estrela (Give a Girl a Break) – 1953

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Olha ela aí de novo

Debbie Reynolds volta a trabalhar com Donen neste filme esquecível. O longa tem uma nota de 6.3 no IMDB, o que significa que é “assistível” e foi um flop na época de lançamento, dando prejuízo a MGM. No entanto, ele está aqui nessa lista de momentos marcantes. Por qual motivo? A resposta está nesse vídeo abaixo:

Fico imaginando todo o exercício mental para criar e editar esta cena. É uma aula de edição e dá de 10 x 0 no medíocre Bohemian Rhapsody. Tenho vontade de por no final e ir voltando o vídeo de trás para frente, só para ver como ficaria.

 

  • Cinderela em Paris (Funny Face) – 1957

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Audrey Hepburn, elegantérrima.

Fred Astaire interpreta Dick Avery, um fotógrafo famoso, que está em busca do próximo rosto da moda. Com o objetivo de achar alguém que concilie beleza e inteligência, ele e a editora da revista “Quality”, Maggie Prescott, vão até uma biblioteca de Nova Iorque, onde encontram Jo Stockton (Audrey Hepburn), uma moça que se encaixa exatamente no que eles querem. O problema é que ela é tímida e acha todo o mundo da moda uma bobagem. Avery e Prescott a levam para Paris, mas Jo não parece de forma alguma se adaptar à vida de modelo.

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Jo (Hepburn) posando para as fotos.

Cinderela em Paris foi um fracasso de bilheteria e mal se pagou. Os críticos também não ficaram lá muito impressionados, mas ainda assim o longa conseguiu ser indicado a três Oscars: Fotografia, Direção de Arte e Figurino, com ninguém menos que Hubert de Givenchy disputando a estatueta, ao lado da figurinista Edith Head, a mulher que mais levou Oscars para casa, ganhando 8 vezes. A personagem Edna Moda, de Os Incríveis, é baseada nela.

Alguns anos depois, em 1964, a Warner Bros lançou Minha Bela Dama (My Fair Lady), outro musical com Audrey Hepburn, que ao contrário de Cinderela em Paris, fez muito sucesso comercial e foi um sucesso de crítica. A Paramount decidiu aproveitar a oportunidade e relançou o filme. A estratégia funcionou e eles conseguiram arrecadar algum lucro.

 

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Outra curiosidade: o número musical ‘Think Pink” conta com a participação das maiores modelos da época. Da esquerda para a direita: Suzie Parker, Sunny Harnett e Dovima.

Suzy Parker, a Gisele Bündchen dos anos 50, num dos números musicais mais conhecidos do longa -Think Pink. Ela viria a se tornar atriz posteriormente e os Beatles até compuseram música para ela.

Kay Thompson cantando Think Pink. Ela não era atriz, apenas preparadora vocal e fez outras coisas além de Hollywood, como escrever a série de livros “Eloise”

Provavelmente o motivo maior de Cinderela em Paris ter se tornado um clássico foi o fato de Donen saber explorar o carisma e charme do seu elenco, principalmente o de Audrey Hepburn e Fred Astaire. A ambientação elegante do filme também é um atrativo e complementa o elenco, mas o longa em si não tem nada demais.

 

  • Charada (Charade) – 1963

Charada, ou o “melhor filme de Hitchcock, que não é do Hitchcock”, é uma mistura de comédia, romance e thriller de suspense, com Audrey Hepburn e Cary Grant nos papeis principais.

Sem espaço nos Estados Unidos, pois os musicais estavam em decadência, Donen se mudou para Europa e foi lá que tentou dar um novo foco a sua carreira. Inspirado pelo último lançamento de Alfred Hitchcock – Intriga Internacional (1959), Donen decidiu seguir a mesma linha, resultando em Charada, um filme sobre uma viúva (Hepburn) cujo marido é misteriosamente assassinado numa viagem de trem depois de ter sacado todo o dinheiro do casal. Com a ajuda de um sujeito misterioso, Peter Joshua (Cary Grant), ela decide investigar o que aconteceu por conta própria, mas aos poucos descobre que as circunstâncias envolvendo a morte do marido são mais funestas do que se pensava.

 

Intriga Internacional” (1959), outro clássico de Hitchcock, também protagonizado por Cary Grant e que serviu de inspiração para “Charada“.

Grant, com razão, estava preocupado com a diferença de quase 25 anos entre ele e Hepburn (ele tinha 59; ela, 33). O ator se sentia desconfortável em formar um par romântico com alguém bem mais jovem do que ele (curiosamente a esposa dele também era bem jovem). A saída dos roteiristas foi fazer o seu personagem questionar isso no longa e, também, por a personagem de Audrey Hepburn para conquistá-lo, ao invés do oposto, como estava previsto no roteiro original.

O filme foi lançado no final de 1963, recebeu boas críticas e se saiu bem nas bilheterias, se tornando a melhor arrecadação da carreira de Donen.

O presidente americano John F. Kennedy havia sido assassinado com um tiro na cabeça semanas antes da estreia do longa. A comoção nacional gerada pelo trágico evento fez Donen substituir a frase “podemos ser assassinados a qualquer momento”, dita por Hepburn, por “podemos ser eliminados a qualquer momento”. A dublagem de uma fala por cima da outra ficou péssima e alguns lançamentos posteriores do filme trouxeram a versão original da gravação.

Outra curiosidade é que Charada pertence ao domínio público desde o fim do seu período em cartaz. O filme possuía uma nota indicando o dono da propriedade intelectual, que dizia o seguinte: “MCMLXIII BY UNIVERSAL PICTURES COMPANY, INC. and STANLEY DONEN FILMS, INC. ALL RIGHTS RESERVED”. Eles omitiram a palavra “Copyright”, além disso, não havia nenhum indício da sigla “Corp” ou do símbolo que caracteriza a marca registrada (©). O problema é que as leis americanas da época exigiam que os produtos carregassem pelo menos um desses símbolos ou palavras para estarem sob a proteção das normas de direitos autorais. Como isso não foi feito, o filme se encontra em domínio público desde então. Ou seja, você pode baixar o longa à vontade, sem culpa.

 

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Stanley, com seu Oscar honorário pelo conjunto da obra.

 

Depois vieram Arabesque (1966), que seguia a mesma linha hitchcockiana, o que vale a assistida; O Pequeno Príncipe (1972), cuja série animada baseada no longa é mais conhecida do que o filme em si (o original é um livro de Saint-Exupery); Os Aventureiros do Lucky Lady (1975); Movie movie: A Dupla Emoção, uma homenagem sem brilho aos velhos musicais; e a ficção-científica Saturno 3. Todos passam bem longe do que Donen produziu nos seus dias de glória (talvez Arabesque se salve, mas eu gosto de Hitchcock, então sou suspeita para falar). No fim, o Stanley Donen cineasta já tinha deixado ser interessante há muito tempo, mas que algumas de suas contribuições resistiram ao teste do tempo é inegável.

 

Fontes:

They Shoot Pictures, Don’t They?. STANLEY DONEN & GENE KELLY. Disponível em: <http://www.theyshootpictures.com/donenandkelly.htm>.

. Riverside Theatre’s WHAT A GLORIOUS FEELING Opens 10/30. Disponível em: <https://www.broadwayworld.com/central-pa/article/Riverside-Theatres-WHAT-A-GLORIOUS-FEELING-Opens-1030-20121012>.

Araújo, Inácio. O Talento de Donen morreu antes de Donen. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/02/o-talento-de-donen-morreu-antes-de-donen.shtml>.

Wikipedia. Filmography and awards of Stanley Donen. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Filmography_and_awards_of_Stanley_Donen>.

IMDB. Cantando na Chuva. Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0045152/?ref_=tttr_tr_tt>.

 

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