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Conheça PJ Kaiowá, artista brasileiro de Eu Sou Lume e Carnívora Pt. 1

Cada vez mais temos artistas brasileiros nos representando lá fora, e PJ Kaiowá é um deles, responsável por HQs como Carnívora, Eu Sou Luma, Trato Sujo e trabalhos na DC Comics E que está ganhando cada vez mais destaque. Tivemos a oportunidade de bater um papo com ele e falar um pouco sobre a DC Comics, seus trabalhos mais recentes na editora e outros assuntos que você poderá conferir a seguir.

 

Sabemos, que grande parte do mundo nerd, tem os personagens da DC como seus favoritos, sejam por animações, quadrinhos, ou até mesmo seus famigerados filmes. Considerando isto, como é saber que mesmo daqui a alguns anos, seu nome vai estar atrelado a alguma obra relacionada a estes personagens?

PJ: Eu acho muito legal assim, acho que é bacana pelo lado do pertencimento, né? Você está fazendo parte de uma parada que tu é fã desde criança, você cresce com estes personagens, então tem uma oportunidade de fazer parte da história deles, pelo menos em uma vertentezinha assim, de ter seu nome atrelado a algum trabalho, não importa o tamanho dele, é muito gratificante.

Que é, como gente brinca no meio, uma promoção no trabalho, você está lá trabalhando a anos, e ai recebe uma promoção, um aumento de cargo ou algo assim. Você chega nestes personagens que tu é fã, é como se tivesse sido promovido.

E graças a deus, até mesmo antes, eu tive muitas oportunidades de ter trabalhado com franquias que eu curto né? Logo de cara, foi: Pacific Rim, que estava super em alta, então participei ali direto com um diretor que eu sou muito fã de anos.

Ai você fica com aquele sentimento assim: “Pô, o cara sabe que eu existo!”, fica até difícil separar o fã do profissional assim. Lógico, que o profissional tem que reinar pra você entregar o trabalho e tal, mas o fã fica aqui dentro empolgado, doido pra dar um gritos. Mas acho que o fica é isso, o lance de você se sentir parte de algo que você sempre acompanhou e sempre seguiu.

PJ Kaiowa e seu trabalho para a webcomic do Mutano e Ravena para o jogo Fortnite.

Como foi que você recebeu este convite para fazer essa webtira do Mutano envolvendo estes personagens dos Titãs?

PJ: Então, foi tudo muito rápido, foi bem rápido, coisa de cinco dias, eu receber a notícia, elaboramos os conceitos, ai eu peguei e entreguei. Porque assim, eu já venho fazendo alguns trabalhos para a Epic Games, desde o final do ano passado, e essa relação foi amadurecendo.

Fiz o primeiro trabalho, eles gostaram, ai eles decidiram ampliar o projeto, porque era um trabalhinho só, interno ali, entre os influencers. Interno não né, seria ali entre os influencers do Fortnite, e aquilo funcionou legal cara.

Ai já foi para uma para mais séria, começou a rodar nos Estados Unidos, e na Europa também, e foi isso, um trampo aqui, um trampo ali, ai quando apareceu esse lance, eles tinham planejado um lance com a DC, e meu nome já estava lá, não tipo: “Nós queremos que o PJ faça!”, entendeu?

E foi rápido cara, “Tem isso aqui PJ, vamos fazer?”, falei “Vamos pô!”, na hora, eu estava com umas páginas para terminar, parei tudo, falei com o editor: “Olha, irei atrasar aqui um pouquinho!”, e cai dentro para poder entregar.

Obviamente que esta pergunta não poderia ficar de fora: Qual é o seu personagem predileto da DC Comics, aquele que você chega e fala: “Pode aparecer outros, mas este ainda vai ser o meu ícone”?

PJ: Pô cara, é outro clichê né, acaba sendo o Superman, não tem jeito cara. É ele desde pequeno, entendeu? Eu acho que é até por isso que eu não estou lendo mais muita coisa dele, porque eu já peguei aquela história, li, gostei, bateu com a imagem que veio sendo construída em mim desde pequeno, então eu parei por ali. Mas assim, falar qual é o preferido, ele vem na hora.

Tem outros que complementam, mas logo de cara, é o Super, ainda mais por causa desta relação que eu tenho com ele desde novo. Porque é o que ele significa pra mim, assim o que eu mais gosto é que ele, e considero como algo que deveria ser mais explorado nas revistas, é o maior inimigo dele mesmo, entendeu? É um cara que tem que viver, com o freio de mão puxado por causa dos outros.

Ele é um cara que poderia ser um ditador mundial, e ele prefere servir, ser esculachado, ser perseguido, sabe? Diferente do Batman, que se coloca em uma posição, o Superman é a posição. Você olha pro cara, vê o tamanho do poder dele, e automaticamente quer se armar contra, controlar, ou algo assim, e isso tudo, eu acho muito legal.

Até porque na hora em que ele decide se soltar, eu dou meus pulos, e é algo em mim, que também sai por causa da referência. É um personagem que eu curto, ele faz isso, e isso influencia na minha vida, entendeu?

Se estou numa posição, eu não vou usar ela pra cima de ninguém, porque eu tenho minha história, e a pessoa tem a dela. Fora que eu sempre acreditei, desde novo, que você é colocado numa posição em prol do outro, e não para seu próprio benefício, entendeu?

Então, se você está em determinado lugar, é pro outro, se estou aqui contando histórias, eu estou contando para outras pessoas. Não estou aqui pra ficar rico, ou pra ficar famoso, até porque, qualquer um destes fatores, é uma consequência de um conjunto de coisas que não dependem só de mim. Mas o que depende de mim, é tentar te influenciar positivamente em alguma coisa, entendeu? Do jeito que eu fui influenciado.

Entendo, particularmente, não falo que é meu personagem predileto da DC Comics, mas compreendo o que você disse, e eu o respeito pela importância que ele possui para os quadrinhos, afinal de contas, ele é a hecatombe que trouxe outros personagens como: Quarteto Fantástico, Batman e outros. 

E isso que você falou, é algo que todo o nerd entende, o personagem está ali e mexe contigo, e acaba te inspirando, e quem melhor para fazer isso do que o Superman?

PJ: Isso, independente do que façam com ele, se a mensagem chegou em você, cara, é isso que vale. Depois que você lê, o que te falam, ou deixam de falar, é irrelevante, porque ele já conversou contigo e acabou. Depois que você cresce mais um pouquinho, que você entende que isso é de alguém, entendeu?

É como uma amiga falou: “É uma mão que fez, isso pertence a alguém”, então essa pessoa vai fazer o que ele achar melhor e pronto.

Então se eu sou grato por ele ter falado comigo, sou fã, tenho revista, visto camiseta e etc., no final é isso, é uma brincadeira que as vezes se torna sério, como eu falei, porque você leva para sua vida, certas coisas, entende? Cara… Mas é isso, é reter o que é bom, e o resto você se diverte.

Agora mais uma pergunta pessoal, vi que alguns de seus trabalhos, incluindo este agora envolvendo o Mutano dentro do contexto do Fortnite, tem uma ligação muito forte com os videogames, a pergunta que fica é: você se considera um gamer?

PJ: Cara, eu gostaria de ser mais! Eu não me considero, sou muito ruim, mas admito que gostaria de ser muito mais. Eu gosto de games, mas muito mesmo, de um nível em que eu leio tudo, acompanho tudo, sacou? Só não acompanho mais, pra não ficar na vontade, porque eu sei que não vou jogar, e eu sei que vai ficar este vácuo.

Eu achava quer era porque não tinha um console, então… eu me consolava nisso. Ai consegui comprar um, achei “Agora vai!”, mas não foi. Dá tempo de tentar ainda, um dia eu chego no nível de um gamer.

Eu Sou Lume, o trabalho mais recente do artista que traz a personagem Mila consigo.

Você havia falado muito sobre representatividade, principalmente por parte do Superman, e eu não pude deixar de fazer um paralelo com seu trabalho: Eu Sou Lume, que traz muito desta temática para as páginas.

Falando sobre isso: como foi que o Superman inspirou você a fazer este trabalho, que tem como principal pilar a representatividade? Como foi essa produção?

PJ: É cara, eu sempre achei que faltava este símbolo entendeu? Eu vejo minha filha e as amigas dela quando vão pra escola, e as garotas na comunidade aqui perto, os garotos também, e não vejo um personagem que conversa com eles. Para gostar de quadrinhos, uma garota, por exemplo, precisa gostar da Mulher-Maravilha, uma mulher branca, nem branca, porque ela é do oriente médio, mas ainda assim, está muito longe, e não conversa com a realidade que elas vivem aqui.

A gente como nerd, geek, consegue buscar algo nos personagens que falam conosco, porque você está ali o tempo todo, mensalmente compra um quadrinho, assiste uma série animada, vê um filme, e busca isso, e tem uma galera que não faz isso, eles são pegos de repente.

Todo mundo conhece o Superman, ou o Batman, mas pergunta pra uma garota, qual a sua super-heroína predileta, e provavelmente vai ter uma resposta como: “Ah, é a Mulher-Maravilha”, mas ela nem lê algo da personagem. Porque o que existe de mais próximo da realidade dela, é o fato dela ser mulher.

Então, e se eu fizer algo dentro de uma coisa que todos entendam? Dentro de sua vivência. Falar com eles: vocês em capacidade, vocês tem possibilidades, vocês são bonitos, sacou?

Porque quando você ouve falar sobre periferia, em filmes, quadrinhos e essas coisas, é lugar de bandido, de pessoa pobre nas mazelas da pobreza, e quando se faz um super-herói, é dentro de um complexo de esquemas, que fazem parte de um conjunto de coisas. Tipo: mataram minha mãe, vou atrás de vingança, e a Lume não tem isso.

Apesar de ser periférica, pobre e tudo mais, ela não se coloca como miserável, está entendendo?

Então, são estes pontos que você precisa de vivência ou convivência para entender, saca? Porque senão, acaba se indo ao extremo, ou deixa como tá: que é a periferia um lixo, um bandido, ou então é criado algo muito fantasioso, que pode até falar com uma criança, mas quando ela cresce, e passa por cima do primeiro corpo, a casa dela cai, então eu tenho que fazer algo encima desta situação.

Eu me impus uma responsabilidade, que nem é minha. Pode até parecer uma arrogância minha, mas é que eu não vi, entendeu? Periferia, favela, é um lugar de muita cultura. Eu estou com uma camiseta do Slipktnot, mas eu comecei a ouvir rock pesado dentro da comunidade.

A única vez que eu fiz aula de guitarra, foi com um auxiliar de serviços gerais, lá no barraco dele, está entendendo? Então tem muita cultura, além do funk, que hoje é comercializado por pessoas de fora, e é uma coisa boa pra dentro do contexto da comunidade.

Agora imagine eu, que me amarro num metal, e faço uma personagem que está mais pro funk do que pro rock. Porque isso, lá dentro, não é o estilo musical da bagunça, é uma coisa que representa uma realidade imposta pra eles, então se você pega, um exemplo, um funk dos anos 80, 90 ou 2000, você vai vendo uma progressão de opiniões ali, e se você corta o paralelo com a mídia oferece pra eles, conseguimos encontra o corte direitinho.

Não só a mídia, como a própria sociedade impões a eles, você vê essa progressão de ideias, posicionamento e tudo mais, então cara: isso é Brasil, isso é Rio de Janeiro, eu não posso ficar deslumbrando muito, pra algo nichado, entendeu? Eu tenho que chegar nestas pessoas, não apenas nelas, mas mostrar pra gente, que é fã desta cultura, um pouco de como nós somos.

E eu acho um papel fundamental do criativo brasileiro, seja ele no audiovisual, ou quadrinho, de trazer a gente pra gente, sacou? Porque a partir do momento que você se conhece mais, acaba ficando menos suscetível a outras coisas que podem ser prejudiciais pra gente no longo prazo, sacou? Então acho importante este posicionamento.

Porque chega lá na frente, a sua tendência é ficar vendendo o que você tem, e não se coloca como uma prioridade. Tipo: eu sou quadrinista, e eu quero que essa história saia lá fora, não, a tendência é você vender o seu trabalho, porque foi desenvolvido lá o mercado, a tipo… cem anos, e não aqui, sabe? Porque foi a gente que foi lá buscar o trampo deles, estamos ainda engatinhando neste esquema de ser colonizado mesmo.

Foi colocado na nossa cabeça que o que é realizado aqui no Brasil é ruim, que brasileiro não quer se ver na televisão, porque eles se veem todo dia neste lugar, numa Lapa, ou em qualquer outro lugar, e não vai querer ver o lugar dele em um quadrinho.

Mas de repente, ele vai querer ver este mesmo lugar, só que com ele como herói, vitorioso, e não sendo esculhambado todo o dia, como ele é. Então existe um arco muito grande pra chegar na Lume, mas a verdadeira vontade, não é essa.

Essa galera é talentosa, é bonita, é super poderosa, tem uma disposição para coisas incríveis, precisa de alguém pra falar isso pra gente, e precisamos ver. Poxa, comunidades não são apenas lugares de bandidagem e morte, não cara, tem vida ali, tem famílias e seres especiais ali dentro, sacou? E é isso.

Sei que posso estar sendo um pouco intrusivo nesta pergunta, mas sabemos que existem algumas personalidades que nos inspiram, tanto pessoalmente, quanto em nossa carreira. Por isso vem a questão: Qual desenhista (seja americano ou brasileiro), inspirou você a começar a sua carreira como quadrinista?

PJ: Cara, tem assim, tipo, é até meio clichê mas quem me inspirou, tipo: “Caraca! Este quadrinho”, “Achei o quadrinho!”, foi o Katsuhiro Otomo, quando eu vi Akira, minha cabeça explodiu, eu vi outras possibilidades, saca?

Tanto que depois de Akira, eu comecei a buscar outros quadrinhos, ai eu cheguei no quadrinho europeu, que saia aqui no Brasil pela Heavy Metal Magazine, e cheguei nos autores brasileiros. O primeiro deles foi o Watson Portela, com Paralelas, que é um dos trabalhos mais famosos dele, e ali, que eu vi que eu poderia fazer quadrinho um dia.

Até porque, até então, era algo muito longe da minha realidade, saca? Eu cheguei a acreditar, quando era mais novo, que não existia o desenhista de quadrinhos, porque ali nos anos 80 e tal, era muito uniforme o estilo em que se desenhava, ali no George Perez, José Luís García-López.

Hoje consigo ver a diferença, hoje eu vejo e sei dizer quem é quem, mas cara, para um moleque de oito, nove anos era tudo a mesma coisa. E era muito parecido com os desenhos do Hanna Barbera, que seguia o mesmo concept dos superamigos e tal, então imaginava que os caras tiravam da televisão e colocava nos quadrinhos, era uma maluquice dessa.

Mas com Katsuhiro Otomo não, foi a primeira vez que eu olhei assim “Cara…”, a edição da Globo na época, colocava o nome dele assim, então cara: É esse aqui, até porque eu nunca tinha lido também, nunca abri um gibi e procurei o desenhista, não, já abria direto na história, e ai não, já tinha o nome na capa, e cara…  A cabeça explodiu!

Pra começar a fazer quadrinhos, Akira me provocou, e Paralelas do Watson Portela, me deu a permissão, porque eu vi que um cara que desenhava e publicava aqui no Brasil, então tipo, essa era a minha realidade.

Eu fazia alguma coisa aqui, mas esse negócio de desenhar pra fora, coloca ai mais anos de vida para poder entender como essa coisa funcionava, pra eu chegar onde eu estou agora.

 

Em breve traremos mais sobre esse bate papo, onde ainda falaremos sobre o mercado de quadrinhos nacional e muito mais! Fique ligado e não se esqueça de dar um Zoom em nosso site!