Fora da família, apenas um pequeno grupo de confidentes estava ciente da batalha da estrela da Marvel contra o câncer, e agora os executivos do estúdio estão de luto enquanto descobrem um caminho a seguir.
Em 28 de agosto, o diretor criativo da Marvel, Kevin Feige, recebeu um e-mail urgente a respeito de Chadwick Boseman, sem mais informações. Sem o conhecimento de ninguém no estúdio, a estrela de Pantera Negra vinha combatendo um câncer de cólon em segredo por mais de quatro anos, e a situação de repente piorou. Quando Feige leu a mensagem uma hora depois, Boseman já havia falecido, causando ondas de choque pela Disney e pelo bem amarrado universo cinematográfico da Marvel.
Uma fonte próxima a Boseman disse ao site The Hollywood Reporter que o ator de 43 anos, visivelmente magro nos últimos meses, estava convencido até uma semana antes de sua morte de que iria se curar e recuperar o peso para a sequência de Pantera Negra, cujas filmagens estavam marcadas para começar em março. O ator, inclusive, daria início a sua preparação no começo deste setembro.
Agora, o estúdio está processando a dor de perder um membro querido – um ator amado e respeitado dentro e fora das telas – enquanto enfrenta a realidade econômica de seguir em frente com uma franquia bilionária sem sua estrela titular. Além disso, sua morte vai se espalhar por todo o universo cinematográfico da Marvel, dado que o personagem Pantera Negra estava definido para aparecer em outros filmes interconectados, como Boseman já havia feito em Capitão América: Guerra Civil (2016), Vingadores: Guerra Infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019).
Fontes na Disney dizem que a empresa está processando a perda, que o foco dela neste momento é prestar homenagens a Boseman e não em fazer uma sequência de Pantera Negra. Poucas pessoas de fora do círculo familiar sabiam que Boseman estava doente, incluindo o parceiro de produção Logan Coles, o agente de longa data Michael Greene, seu treinador Addison Henderson e o diretor do longa 42 – A História de uma Lenda, Brian Helgeland. Eles tinham variados níveis de conhecimento sobre a severidade da condição do ator. Ninguém envolvido com a produção de Pantera Negra sabia, diz um informante. Era desejo de Boseman manter sua privacidade na luta contra o câncer.
Muitos se perguntaram como Boseman manteve seu diagnóstico em segredo enquanto gravava Pantera Negra, um projeto com um orçamento colossal de US$ 200 mi, em 2017 (o filme estreou um ano depois, faturou US$ 1.35 bi mundialmente e foi indicado a melhor filme no Oscar). Entretanto o advogado especializado em financiamento de filmes, Schuyler Moore, diz que é pouco provável que uma estrela da Marvel requeira uma avaliação médica para fins de seguro, que seria a única forma do estúdio descobrir algo do tipo sobre um membro do elenco.
“Grandes estúdios frequentemente não contratam seguros“, diz Moore. “Eles são mais prevalentes dentro do cinema independente. Às vezes, os estúdios grandes fazem seguro por causa de um ator específico (caso da Paramount e de Tom Cruise, por razões óbvias), mas normalmente eles têm um motivo particular para fazer isso. Caso contrário, os estúdios não se importam em correr riscos caso algum membro da produção adoeça ou morra“.
Nos últimos anos, os estúdios tiveram de lidar com mortes repentinas de estrelas de franquias, como foi o caso de Star Wars, quando Carrie Fisher morreu aos 60 anos em 2016; a Universal com Velozes e Furiosos, após a morte de Paul Walker aos 40 anos, em 2013; e a Warner Bros. com O Cavaleiro das Trevas em 2008, quando Heath Ledger morreu aos 28 anos. Em cada caso, os estúdios acharam meios de seguir em frente com as franquias, ao mesmo tempo em que honraram os atores.
No caso de Fisher, a Disney inicialmente disse que seguiria sem a Princesa Leia – um dos personagens mais populares do cinema moderno – em A Ascensão de Skywalker (2019). Depois mudou de ideia e colocou Fisher de volta à história, com o diretor J.J. Abrams combinando filmagens não utilizadas de O Despertar da Força (2015) e de O Último Jedi (2017) com efeitos visuais para criar cenas com Fisher em Ascensão de Skywalker. “Nós reunimos esta enorme matriz de tudo o que ela já disse, e (co-roteirista) Chris Terrio essencialmente assistiu a essas filmagens e escreveu as cenas dela baseado nas falas que estavam disponíveis”, conta o supervisor de VFX Roger Guyett, da Industrial Light & Magic.
Da mesma forma, a Universal teve problemas quando o ator Paul Walker morreu em um acidente de carro durante uma pausa das filmagens do sétimo filme de Velozes e Furiosos. Depois de interromperem a produção, o estúdio e o diretor James Wan bolaram um plano que salvaria o filme, mas aposentaria o personagem e lhe daria uma despedida apropriada. A produção usou os dois irmãos de Walker como substitutos para cenas e foram usados scans de seus corpos, com o rosto de Walker vindo de cenas não utilizadas de outros filmes da franquia, ou até mesmo de outros projetos do ator.
Com a trilogia Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, a Warner promoveu uma campanha robusta na época de premiações para Ledger, que ganhou um Oscar póstumo de melhor ator coadjuvante.
Ainda assim, os desafios que a Disney enfrenta são, de certa forma, sem precedentes, visto que Boseman é a estrela de mesmo nome de Pantera Negra. A situação mais próxima disso seria a de Brandon Lee, com O Corvo. O ator morreu em um acidente no set de gravações, em 1993, dias antes de completar as filmagens do longa (o roteiro foi alterado e O Corvo foi finalizado com a ajuda de computação gráfica e dublês).
A maioria dos observadores concorda que a Disney tem algumas opções. Uma é substituir Boseman, o que poderia gerar clamor entre os fãs e inevitáveis comparações entre atores. Mesmo com um lançamento marcado para 2022, uma data que já se considerava improvável por conta da pandemia de coronavírus, poucos atores estariam dispostos a aceitar esse desafio. A segunda opção, que pode ser a mais lógica, é fazer da irmã de T’Challa – Shuri (Letitia Wright) – a nova Pantera Negra. Esse cenário também se alinha com os eventos retratados nos quadrinhos em que o filme se baseia.
Qualquer que seja a direção que a Disney tome, a perda de Boseman para a franquia é incomensurável. Como o diretor Ryan Coogler escreveu: “Passei o último ano preparando, imaginando e escrevendo palavras para ele dizer que não estávamos destinados a ver. Isso me quebra, sabendo que não poderei assistir a outro close-up dele no monitor novamente ou caminhar até ele e pedir outra tomada”.
Fonte: Hollywood Reporter