O estilo autoral de Bryan Singer mudou para sempre a abordagem de Hollywood aos filmes de super-heróis, mas seus acessos de raiva no set, um motim do elenco e, mais tarde, alegações de abuso sexual, deixaram uma mancha no legado da franquia, que completa 20 anos.
Na primavera americana de 1999, Bryan Singer, e um grupo que envolvia produtores e outros membros da equipe técnica de X-Men, estavam trabalhando nos escritórios da Fox, em Los Angeles, quando Michael Jackson entrou. Usando óculos escuros e se recusando a apertar mãos, o cantor estava visitando o lugar para se encontrar com Singer e discutir sobre a possibilidade de interpretar o Professor Xavier no próximo filme.
“Eu disse a ele: ‘Você sabia que Xavier é um cara branco e mais velho?‘”, relembrou a produtora Lauren Shuler Donner. “E Michael respondeu: “Ah, sim. Eu poderia usar maquiagem, sabe‘”.
A partir daí, Jackson exibiu uma apresentação elaborada, completada com o curta Ghosts, no qual o pop star aparecia como um cara branco e mais velho, criticando um artista bem-intencionado que entretinha as crianças com truques de mágica (vivido também pelo próprio Jackson).
A Twentieth Century Fox, o estúdio por trás do filme, nunca considerou Jackson seriamente para o papel, que foi para Patrick Stewart. A oportunidade possibilitou que o ator britânico ganhasse notoriedade por outro papel que não fosse o Capitão Picard, da série Star Trek. Um executivo relembra que “Michael já estava envolvido em acusações de pedofilia antes desse encontro acontecer“.
Para o produtor de X-Men, Ralph Winter, que se encontrou com Jackson durante aquela visita no escritório (Shaquille O’Neal também fez uma visita em outro momento), aquilo era apenas mais um dia no caos que era trabalhar com Bryan Singer, onde nada era previsível, a impulsividade reinava e sempre havia uma comitiva própria do diretor.
“Bryan sempre tinha muitos amigos por perto. Depois de um tempo, você ignorava aquilo“, diz Winter. “Ele geralmente apresentava todos eles: ‘Ei, venham aqui. Quero que conheçam o Ralph’. Então ele sempre foi muito gentil e generoso quanto a isso, mas eu nunca tinha tempo para memorizar todos os seus amigos e quem eles eram“.
Só que amigos, às vezes, também significa problemas, e com X-Men essa frase se mostrou verdadeira. A franquia transformou Singer, com apenas 34 anos, numa rara combinação de diretor autoral que conseguia fazer, ao mesmo tempo, montanhas de dinheiro para os estúdios. Por outro lado, suas várias festas, ao lado de um círculo inconstante de amigos próximos, causavam custosas ausências nos sets de filmagem, fazendo-o ganhar uma certa reputação. Agora que o filme completou 20 anos no mês passado, é impossível negar suas contribuições inovadoras, inaugurando a era de franquias baseadas em histórias em quadrinhos, o que resultou em 8 filmes e 5 derivados que arrecadaram US$ 6 bilhões em todo o mundo. Porém, nos anos seguintes ao seu lançamento, os constantes sumiços do diretor dos sets de filmagem nublaram o legado da franquia.
“X-Men foi verdadeiramente um filme pioneiro. Você precisa se lembrar que isso foi antes de Homem-Aranha. Foi a primeira grande adaptação da Marvel a alcançar o grande público“, diz Tony Rothman, presidente da divisão de cinemas da Sony, que na época era presidente da Fox Filmed Entertainment. “A seriedade com o qual tratou temas como o medo do outro, a discriminação e a alienação deu ao cinema comercial de ação um solavanco de emoção e propósito“.
Mas para alguns, como a GLAAD (Associação de Gays e Lésbicas Contra a Difamação), que ajudou a promover o filme por sua exploração pioneira da experiência mutante como alegoria para a experiência homossexual, é também incompleto encarar X-Men e os demais filmes da franquia sem considerar as acusações públicas que Singer enfrentou – a saber: vários menores de idade o acusaram de diversas formas de má conduta sexual, incluindo estupro. Singer negou todas as acusações.
“Ao analisarmos o trabalho de Singer, é importante que destaquemos as experiências e os traumas enfrentados por suas vítimas e coloquemos o bem-estar delas primeiro”, diz Mathew Lasky, do GLAAD. “O GLAAD se posiciona pela proteção das pessoas LGBT, especialmente a juventude LGBT, e aqueles que desejam fazer o mal a esses jovens não são amigos da nossa comunidade“.
Nos bastidores, crises explodiam, incluindo uso de drogas, acessos de raiva e briga de roteiristas. Para aumentar o drama, um dos atores deu entrada em um processo civil quatro meses após o encerramento das filmagens, alegando que foi violentado por três amigos e parceiros de negócios de Singer – embora nenhum deles tenha envolvimento com X-Men.
Para muitos que trabalharam no filme, X-Men serve como a história de origem para a conduta problemática de Singer nos sets de filmagem e, dada a falta de consequências, colocou o diretor no caminho que o transformou de prodígio em um pária.
“É um ramo esquisito, esse do cinema“, diz Shuler Donner. “Honramos a criatividade e o talento e perdoamos aqueles que são brilhantes. Inconscientemente, é provável que permitamos esse tipo de coisa quando fazemos vista grossa para seja lá o que for que eles façam, enquanto pegamos o produto deles e o lançamos para o mundo“.
Ou, como nota outro executivo envolvido no longa: “O comportamento dele foi ruim no filme. Nós o toleramos no primeiro projeto, e portanto pudemos tolerá-lo no segundo. E por aí vai. Isso acabou criando um monstro“.
Em 1994, Shuler Donner dava início ao desenvolvimento do projeto X-Men com a Fox, já a carreira de Singer estava prestes a decolar depois do seu primeiro filme, Linha Direta, ter ganhado o prêmio do júri do festival de Sundance no ano anterior. Enquanto Shuler Donner trabalhava em X-Men com poucas expectativas, Singer se tornava um dos diretores mais cobiçados de Hollywood com o lançamento do seu segundo longa – Os Suspeitos (1995) – um filme que deu Oscars ao roteirista Christopher McQuarrie e ao ator Kevin Spacey. Pouco tempo depois, Peter Rice, executivo de produção da Fox, ofereceu a direção de X-Men a Singer, mesmo sabendo que o diretor não era familiarizado com os quadrinhos dos mutantes. Mas o produtor de Singer, Tom DeSanto, era obcecado com os X-Men desde a infância e escreveu um roteiro que foi aprovado por Stan Lee (co-criador da equipe) e Avi Arad (o então presidente da Marvel). Singer foi contratado para a direção em julho de 1996. Ao longo dos três anos seguintes, vários roteiristas colocaram suas mãos no projeto, começando por Ed Solomon (MIB – Homens de Preto) em agosto de 1996. Solomon entregou o primeiro rascunho um mês depois e o reescreveu no natal daquele ano. Então veio John Logan (Gladiador), seguido por James Schamus (O Tigre e o Dragão), que foi trazido ao projeto especificamente para dar mais substância aos personagens, algo até então inédito em um filme baseado em quadrinhos.
Nesse ponto, ainda não havia motivo para alguém duvidar dos métodos de trabalho de Singer, que havia começado as filmagens do drama O Aprendiz, orçado em US$ 14 milhões, em fevereiro de 1997. Mas em 15 de abril daquele ano, dois meninos – um de 14 e outro de 17 anos – abriram um processo judicial alegando que foram obrigados a despirem-se para uma cena de O Aprendiz. Pelo menos dois outros atores fizeram acusações similares em um outro processo, com um deles afirmando que teria sido demitido caso se recusasse a performar sem roupa. Singer foi um dos vários réus citados nos processos, que supostamente foram resolvidos através do pagamento de quantias não reveladas, com os reclamantes vinculados a acordos de confidencialidade.
Apesar disso a Fox não perdeu tempo e, no verão americano de 1998, liberou um orçamento de US$ 75 milhões para produzir X-Men, com McQuarrie encarregado de “aparar as arestas” do roteiro numa reescrita de três semanas. Ainda assim, um drama criativo se seguiu e McQuarrie ficou sem entregar um rascunho até outubro daquele ano, o que fez a Fox desistir de seguir em frente com o filme. Nesse momento, DeSanto e Singer passaram a trabalhar no roteiro e, perto do natal, convenceram o estúdio a apostar novamente no projeto. Joss Whedon apareceu depois para uma reescrita. “Ficou tão bom“, diz Shuler Donner. “Havia humor nele. Mas Bryan queria que este filme fosse muito mais sério e mais dramático“. Apenas duas frases escritas por Whedon foram mantidas na versão final do roteiro.
Algumas fontes dizem que as reuniões para discutir o enredo não eram nada profissionais, nem mesmo para os padrões de cineastas excêntricos. “Bryan trazia para as reuniões pessoas que não trabalhavam em filmes. Caras jovens. Uma pessoa diferente de cada vez“, diz uma fonte que esteve presente nesses encontros.
Apesar de uma sequência de roteiristas do alto escalão hollywoodiano ter trabalhado no roteiro, David Hayter, que serviu como assistente de Singer, atendendo ligações nos escritórios de produção a US$ 500 dólares por semana, foi o único creditado como roteirista.
Hayter havia produzido e estrelado o longa Burn (1998) recentemente, e era um fã ávido de X-Men. Singer começou a confiar nele por conta de seu conhecimento dos quadrinhos e, eventualmente, o fez escrever novas cenas.
“Ele começou a conversar comigo sobre as reuniões de roteiro com Peter Rice e Tom Rothman, e ele dizia: ‘Sente-se aqui, faça anotações, não diga nada e não conte a ninguém que você está escrevendo o roteiro‘”, disse Hayter. “Ralph Winter sabia disso e pediu que eu destacasse tudo que eu havia escrito no roteiro até aquele ponto, e era cerca de 55% do script. Ralph foi até o Peter Rice e disse: ‘Veja, é o seguinte: David, o cara do telefone, andou escrevendo o roteiro. Você precisa fazer um contrato com ele ou nós estaremos com um sério problema jurídico’. Peter ligou para mim do seu escritório, ofereceu-me US$ 35 mil e disse: ‘Isto é tudo o que você vai receber. Fique feliz com isso‘”.
Mas outras fontes com conhecimento interno do projeto dizem que Solomon e McQuarrie escreveram a maioria do que apareceu na tela, com contribuições de Hayter. Fontes dizem que McQuarrie ficou tão furioso com o estúdio por terem alterado o roteiro sem seu conhecimento, que decidiu tirar seu nome dos créditos do filme e persuadiu Solomon para que fizesse o mesmo. McQuarrie se recusou a comentar. Foi instaurado um processo de arbitragem pela WGA (Writers Guild of America – o sindicato dos roteiristas de Hollywood), e Solomon e McQuarrie concordaram em não anunciar publicamente que retiraram seus nomes do projeto. Segundo as regras do WGA, roteiristas são proibidos de falar sobre um processo de arbitragem depois que uma decisão é tomada.
“Na época, eu não queria mais que meu nome aparecesse em um filme que não fosse inteiramente feito por mim“, diz Solomon. “Isso veio mais de uma hipocrisia imatura do que de qualquer outra coisa e, em retrospecto, foi uma atitude idiota da minha parte“.
De fato, acabou sendo uma decisão cara. “Chris abriu mão de, no mínimo, 1 milhão de dólares no primeiro ano, oriundos de lucros residuais e bonificações pelo crédito“, observa Hayter. “O mesmo para o Ed. É chocante“.
Singer liderou a escolha do elenco do filme, uma mistura estranha que incluía atores ingleses com treinamento clássico (Stewart e Ian McKellen), uma supermodelo (Rebecca Romijn), um lutador profissional (Tyler Mane) e uma Halle Berry antes de ganhar Oscar e se tornar uma estrela lucrativa. Foi ideia de Rothman escalar o desconhecido Hugh Jackman, que se tornou uma força nas bilheterias e um queridinho dos críticos graças à X-Men.
Muitos dos papeis menores e de figurantes foram preenchidos por homens jovens e belos.
Na época, Singer namorava Adam Robitel, que desde então se tornou um diretor digno de nota ao comandar a direção do longa de horror Escape Room. Singer escalou Robitel, que então era um estudante da Universidade do Sul da Califórnia, em um papel pequeno – uma atitude comum nos anos 90, mas que seria desaprovada hoje.
Porém, um número variado de jovens, incluindo alguns que eram menores de idade na época, alegaram em entrevistas que Singer ofereceu audições e papeis na produção de X-Men em troca de sexo. Uma fonte que trabalhou no set contestou a ideia de que a escalação de Robitel aconteceu dessa forma, observando que os dois já namoravam havia três anos.
Em retrospecto, alguns integrantes do projeto dizem que uma escalação em particular deveria ter servido de alerta, pelo menos posteriormente: a de Alex Burton, um garoto de 18 anos que fez o mutante Pyro. Ninguém se lembra como Burton, que nunca havia trabalhado na indústria, foi escalado. Uma fonte disse que Burton contou a ele que “Marc [Collins-Rector] e Bryan [Singer] criaram esse papel para mim“. Outro informante conta que Burton foi levado de avião de Los Angeles até o set de filmagens, em Toronto; uma atitude incomum, dado o tamanho do papel dele (os estúdios normalmente escalam atores locais para papeis com uma ou duas falas). Oito dias depois da premiére de X-Men em Ellis Island, no dia 12 de julho de 2000, Burton abriu um processo contra três amigos e parceiros de negócios de Singer da Digital Entertainment Network (DEN), uma precursora do YouTube – Collins-Rector, Chad Shackley e Brock Pierce (Pierce foi removido do processo como réu, posteriormente). O jovem alegou que foi dopado e sexualmente abusado pelo trio num escritório da DEN em Encino (bairro de Los Angeles), onde era mantido contra a sua vontade e era ameaçado fisicamente entre julho de 1999 e maio de 2000, um período que abrange os seis meses de filmagem de X-Men. De acordo com o processo, Burton também foi um empregado da DEN durante esse tempo. A ação, que não menciona Singer, também declara que Collins-Rector “ameaçou usar seu poder e influência na indústria do entretenimento para impedir Burton de arrumar emprego no ramo“.
Embora o processo tenha chamado a atenção da imprensa na época, houve pouca discussão sobre o porquê de Burton não retornar para a sequência, X-Men 2, no qual o personagem Pyro foi expandido e interpretado pelo ator Aaron Stanford. (Burton, que mudou de nome, nunca apareceu em outro projeto de Hollywood).
De acordo com um informante, o único comentário feito à época foi que “ele não era muito bom“. Um representante de Singer comentou: “Alex Burton foi excelente interpretando um jovem Pyro, mas quando chegou o momento de fazer a sequência, Bryan precisava que o personagem fosse mais velho e passasse por uma transição sombria na qual se tornaria um vilão. Visto que a linha temporal havia transcorrido desde o primeiro X-Men, Aaron Stanford era a escolha certa“. Outra fonte revela que Collins-Rector e Shackley visitaram o set pelo menos uma vez. Meses depois, o primeiro foi alvo de um processo no qual foi acusado de abusar sexualmente de um menino de 13 anos.
Burton, que se juntou a outros dois jovens no processo contra a DEN, deveria receber US$ 6 milhões como parte de um acordo. A quantia nunca foi paga e, em novembro de 2019, o advogado de Burton renovou o pedido de julgamento contra Collins-Rector e Shackley, citando um adicional de US$ 4.8 milhões em juros acumulados.
“Por que aceitamos que a exploração de mulheres é algo revoltante que deve ser combatido, mas não mostramos a mesma disposição quando se trata de homens gays explorando jovens e meninos?“, diz o advogado Daniel Cheren, que representa Burton desde o início do processo, em 2000. “A capacidade para explorar é exatamente a mesma. Quem é mais manipulável do que um adolescente?“.
Ao invés disso, o que mais enfurecia as pessoas era a natureza tempestuosa de Singer. Em entrevistas da época, ele revelou que estava tomando remédios para dor nas costas, mas outras pessoas no set caracterizaram seu uso de drogas como problemático, o que levava a constantes atrasos nas filmagens, oscilações de humor e explosões de raiva. Alguns personagens, como a Mística, exigiam horas de pintura corporal antes das filmagens. Só por capricho, Singer decidia em cima da hora não usá-la numa cena. O atual chefão da Marvel, Kevin Feige, então um jovem executivo trabalhando para Shuler Donner, foi encarregado de garantir que alguém mantivesse Singer na linha.
Independente disso, X-Men surpreendeu todas as expectativas, arrecadando US$ 54 milhões no primeiro final de semana, faturando no total US$ 296 milhões em todo o mundo. Os críticos foram só elogios, com o New York Times dizendo que o filme era “a adaptação de quadrinhos mais bela, estranha e excitante desde o Batman original“. Se havia alguma dúvida quanto a Singer entre os executivos da Fox, isso não interferiu no desejo do estúdio em trazê-lo de volta para X-Men 2, cujas filmagens começaram em junho de 2002, custando 50 milhões de dólares a mais que X-Men.
Mas alguns questionavam as companhias de Singer. Amigos como Gary Goddard, produtor da Broadway, frequentavam a produção de X2 em Vancouver, de acordo com uma fonte que trabalhou no filme. Assim como Singer, Goddard era um investidor da DEN que posteriormente foi acusado de abuso sexual por vários homens quando eles ainda eram menores de idade, entre eles o ator da série ER, Anthony Edwards. Goddard negou as acusações.
O comportamento de Singer ficou cada vez mais errático e destrutivo, culminando em uma briga entre o diretor e DeSanto que paralisou a produção. Informantes que estavam presentes disseram que DeSanto tentou interromper as filmagens ao descobrir que Singer estava incapacitado por causa do uso de narcóticos. Alguns membros da equipe técnica haviam usado a mesma droga também, e DeSanto ficou com medo de que alguém no set pudesse se machucar. Todo o elenco principal, com exceção de McKellen, estava na cena a ser gravada naquele dia, que acontece dentro do jato da equipe e é próxima ao final do longa. Mas Singer estava a fim de provocar e continuou filmando, até que uma acrobacia deu errado e deixou Hugh Jackman sangrando em frente às câmeras (não havia nenhum coordenador de dublês no set porque a cena deveria ser filmada no dia seguinte). Winter, o produtor com maior autoridade no local, conseguiu obrigar Singer a parar de filmar. Porém, no dia seguinte, o estúdio ficou ao lado do diretor e disse a DeSanto que retornasse a Los Angeles. Isso fez com que todo o elenco – com exceção de McKellen e Romijn – se dirigisse, ainda caracterizado, ao trailer de Singer para tirar satisfações com o diretor, ameaçando abandonar o filme caso DeSanto saísse. Foi nesse momento onde Halle Berry mandou Singer beijar “o rabo preto” dela (“You can kiss my black ass“), um episódio que foi frequentemente divulgado pela imprensa desde então, mas que nunca foi acompanhado da história correta por trás dele. DeSanto se recusou a comentar sobre a briga. Um representante de Singer declarou que “nunca aconteceu nada parecido com isso“.
De novo, Singer tinha mais um sucesso para acrescentar no currículo – desta vez ainda maior do que o primeiro X-Men. O filme fez US$ 408 milhões mundialmente e, desse ponto em diante, a carreira do diretor parecia ser feita de aço. A Fox o trouxe de volta para mais dois filmes dos X-Men: Dias De Um Futuro Esquecido (2014) e Apocalipse (2016). Enquanto isso, acusações e processos se amontoavam (ele e Goddard foram acusados, em 2014, de abusar sexualmente de um menino de 17 anos após a premiére londrina de Superman – O Retorno, em 2006). E ainda assim, ele conseguiu a direção do cobiçado megassucesso da Fox, Bohemian Rhapsody, cujas filmagens começaram em setembro de 2017. Porém, dois meses depois, quando Hollywood foi tomada pelo tsunami de divulgações de casos de assédio sexual que destruiu as carreiras de Harvey Weinstein e de outros figurões, Singer de repente ficou vulnerável. Suas conhecidas ausências do set de Bohemian fizeram com que a Fox o demitisse (ele ainda ganhou mais de US$ 40 milhões pelo filme). A agência WME discretamente o dispensou como cliente.
Posteriormente, ele foi contratado para dirigir a adaptação de Red Sonja para a Millennium Films, mas foi substituído em 2019 após o site Atlantic divulgar um “exposé” no qual detalhava as acusações de quatro supostas vítimas do diretor.
Alguns defensores de Singer sugerem que a fixação da mídia nele é resultado da homofobia, mas outro executivo da Fox diz que Singer gostava da falta de escrutínio. “Todo mundo ficava com medo de dizer algo porque a sensação era: ‘Nós diríamos isso a um diretor hétero que fosse mulherengo?‘”
Ao longo dos anos, pelo menos duas matérias jornalísticas que mergulhavam nas alegações de abuso contra Singer foram censuradas: um texto de 2001 da revista Details, escrito por John Connolly e uma matéria de 2018 da revista Esquire, de Alex French e Maximillian Potter. O último foi publicado pela The Atlantic.
A GLAAD, por exemplo, agora olha para os filmes de X-Men e de Singer por um prisma diferente. A organização removeu Bohemian Rhapsody dos indicados a melhor filme de amplo lançamento no Media Awards de 2019, após a publicação das acusações pela The Atlantic.
“Vale a pena notar“, diz Lasky do GLAAD, “que houveram muitos outros membros dos elencos e das equipes técnicas que trabalharam nas produções de Singer, cujos talentos eram essenciais em criar uma representação LGBT nos filmes que ele dirigiu. Esperamos que esses profissionais continuem a lutar para contar histórias LGBT em outros projetos de Hollywood, comandados por outros diretores“.
No fim das contas, para muitos envolvidos na produção de X-Men, a eventual implosão de Singer começou no set daquele filme – o infortúnio da sua falta de profissionalismo.
“Ele ficava muito nervoso e se comportava mal quando ficava inseguro, como muitas pessoas fazem. Só que o seu jeito de se comportar mal era gritando com todo mundo no set. Era isso, ou ele ia embora ou interrompia as gravações“, diz Shuler Donner, que se recusou a ir a premiére de X-Men por conta da frustração em trabalhar com Singer. “Você tem que entender, o cara era brilhante, e era por isso que nós o tolerávamos e o bajulávamos. E se ele não fosse tão problemático, seria um grande diretor“.
Winter adota uma posição mais suave ao falar de Singer e do atual status de persona non grata do diretor em Hollywood.
“Eu acho que X-Men vai resistir ao teste do tempo“, ele diz. “Espero que Bryan sobreviva de alguma como cineasta e como artista. Porém, eu não acho de jeito nenhum que isso manchou o filme, pois seja lá quais forem os fatos, eles são sobre o Bryan. Para mim, essas coisas não importam“.
Matéria escrita por Tatiana Siegel e Aaron Couch, com tradução do Nerdzoom.