Há momentos que, por mais que doam na alma e sejam difíceis de falar sobre, não podem passar incólumes. Sim, as histórias em quadrinhos estão passando por uma grave crise no Brasil, que pode ameaçar o futuro das editoras e dos próprios super-heróis que amamos.
Há anos, diversas bancas de jornal têm sido fechadas constantemente, mas esse fato não era tão alarmado, pois poucas pessoas ainda frequentavam esses lugares tão cativantes. Eu possuo uma “regra” pessoal de só comprar mensais e gibis capa cartonada na minha banca favorita ou em alguma comic shop, até para dar uma forcinha para os estabelecimentos. O dono da banca que frequento é uma figura, é sempre um prazer bater um papo com ele. Essa relação humana, esse contato, é simplesmente insubstituível. Agora, com a iminente falência da editora Abril, das Livrarias Saraiva, do fim de comic shops consagradíssimas de São Paulo como a Gibiteria e o Empório HQ, além de ser um baque enorme na economia e no mercado de gibis, o que acontecerá com esses contato humano?

Em matérias publicadas pelo Estadão, Folha de São Paulo e Publish News, expôs-se a tênue situação que tanto as livrarias quanto as editoras estão vivendo. A editora Abril, (ex) dona de títulos da Disney, como Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas, e revistas de decoração, curiosidades, e para o público feminino, demitiu cerca de 800 funcionários e manteve apenas 15 revistas, com dívida de R$1,3 bilhão. A Livraria Saraiva demoraria 12 (!!!) anos para terminar de pagar suas dívidas, e desde Junho, fechou mais de 13 lojas, além de demitir funcionários e decretar falência. A Livraria Cultura também fez demissões de cerca de 140 funcionários. A FNAC anunciou que deixaria o Brasil. Além de tudo, as distribuidoras também estavam sofrendo calotes do pagamento de ebooks, e o fornecimento foi cortado. Com notícias bombásticas como essas, estamos vivenciando o que pode ser o começo de um efeito dominó catastrófico.
A pergunta que não quer calar é: por quê? Se tantas pessoas compram gibis, pedem reimpressões, se comprometem com a coleção, como essa avalanche de falências e crises pode estar ocorrendo? As livrarias culpam as vendas online, que estariam quebrando as lojas com descontos absurdos. As comic shops culpam o preço de capa das HQs, que são impossíveis de competir com as grandes vendedoras. As bancas culpam os consumidores que compram cada vez menos material de leitura. Mas a verdade, é que não existem apenas esses motivos, mas uma enorme má administração dos grandes negócios e uma série de fatores que culminou no que estamos vivenciando. Como gigantes como Abril e Saraiva podem acumular dívidas tão absurdas? Sempre que algo está dando errado, costumamos apontar para o outro e culpá-lo de nossos erros, mas às vezes, somos os vilões de nossa própria história.
Não obstante, quem deu um tiro no próprio pé foi a editora Abril. Todo mês, nas bancas, chegavam coleções e coleções de obras clássicas que não eram baratas. Era Pato Donald do Carl Barks, era Anos de Ouro do Mickey, era lançamento de luxo aqui e acolá. Em um país que mal está se recuperando de uma crise econômica avassaladora, com 13 milhões de desempregados, só os Bruce Wayne da vida real conseguiam acompanhar tantos lançamentos simultâneos e não ter que morrer de fome para manter a coleção. Não foi só um momento inoportuno, mas um planejamento atropelado e mal-feito, que doeu no bolso da própria Abril.
Se tantos motivos já não fossem suficientes, temos que levar em conta que o Brasil nunca foi um país de ávidos leitores de livros, e que sim, a Saraiva era dona de grande parte do mercado. Dificilmente a Livraria Cultura, FNAC, Livrarias Curitiba e outras menores conseguiriam concorrer com a líder do mercado de livros. Livrarias tradicionais, familiares, típicas de cidades pequenas, sumiram do mapa. Se tudo isso já não fosse suficiente, um estudo do Instituto Pró-Livro (IPL), apontou que apenas 56% dos brasileiros leem livros, e que dos 44% que não leem, 30% nunca sequer compraram um livro, números assustadores.

Com um estudo longo e completo, chega-se à conclusão de que todo mundo tem uma parcela de culpa na crise em que estamos vivendo, seja as editoras, seja as livrarias, seja os próprios consumidores. O que realmente me preocupa é o futuro das HQs no nosso país tupiniquim. Se a editora Abril, gigante presente desde 1950 na vida dos fãs de HQs, está caindo, e perdeu os direitos de seus personagens, o que garante que a Panini, a Mythos, a Devir, e outras editoras bem menos tradicionais que a Abril, não caiam também? É essencial um planejamento a longo prazo, evitando lançamentos excessivos, que é o que realmente atrapalha a compra. O Brasil ainda não é um país de 1° mundo com renda per capita de classe média, como as editoras possam pensar. Ainda há um longo caminho a ser traçado, e todos queremos continuar lendo nossos super-heróis, livros e quadrinhos adultos, sombrios ou alternativos. Espero que nunca tenha que ouvir meu neto me perguntando: “vovô, o que eram aqueles tais de gibis que você lia quando era novo?”.