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De onde vieram as histórias das animações clássicas da Disney?

Quando a adaptação em live-action francesa de “A Bela e a Fera” chegou aos cinemas em 2014, com Lea Sedoux e Vincent Cassel nos papeis principais, muita gente criticou porque não se parecia com a “versão original”, que seria a animação clássica de mesmo nome lançada pela Disney em 1991. Acontece que esta icônica animação, assim como a maioria esmagadora das outras animações do estúdio, são versões suavizadas de contos e livros muito antigos. À título de curiosidade, Rei Leão, de 1994, foi a primeira animação do estúdio com uma história original, o que é algo considerável, uma vez que naquele ponto a Disney já estava há quase 70 anos em funcionamento (Até mesmo O Rei Leão nem é tão original assim, dada as semelhanças entre este filme e Kimba – O Leão Branco, animação japonesa baseada num mangá de mesmo nome). Confira abaixo uma lista das mais famosas animações do estúdio Disney e de onde surgiram suas respectivas histórias originais:

 

Branca de Neve e os Sete Anões (1937)

 

Primeiro longa-metragem animado da Disney. Foi um estrondoso sucesso de crítica e de público e foi, também, a maior bilheteria do ano de 1938. A história é originalmente baseada em um conto alemão do século XIX. Por ser uma história transmitida entre as pessoas de forma oral, assim como os contos do nosso folclore, existem várias versões de Branca de Neve. A primeira versão publicada do conto foi lançada em 1812, num livro de contos dos Irmãos Grimm e nela, a princesa era perseguida pela própria mãe biológica, que tinha inveja da beleza da filha e ela mesma leva a jovem até a floresta para assassiná-la e não um caçador, como acontece na versão mais famosa. A alteração de mãe para madrasta aconteceu nas futuras publicações do conto, para amenizar a história para o público infantil. Outra alteração feita foi em relação à forma como a rainha morre; se antes ela dançava até a morte, agora ela cai de um penhasco. No entanto, o canibalismo da rainha continuou a ser retratado em algumas adaptações em live-action. Os sete anões, por sua vez, originalmente não tinham nome, o que mudou quando o conto virou uma peça de teatro na Broadway em 1912. Na década de 1930, Walt Disney deu novos nomes a eles, que são os que todo mundo conhece hoje em dia. Aliás, na versão publicada pelos Grimm, Branca vandaliza a casa dos anões antes deles a encontrarem, detalhe que posteriormente foi alterado por Walt Disney, que faz a personagem limpar a casa para os anões.

 

Pinocchio (1940)

Pinocchio curtindo um charuto. No filme ele também participa de jogos de azar, vandaliza e bebe até cair, para a tristeza de seu pai, Geppetto. O filme de 1940 usa desses artifícios para mostrar uma degradação moral do protagonista, que precisa ser um bom menino. Hoje em dia algo assim seria inaceitável, mesmo de forma bem-intencionada, como foi feito nos anos 1940.

Pinocchio, o menino de madeira que queria se tornar um de verdade, ficou eternizado na cultura pop pelo feitiço que fazia com que seu nariz crescesse a cada mentira contada. Pinocchio é originalmente o protagonista do romance infantil As Aventuras de Pinocchio, escrito por Carlo Collodi e publicado na Itália no ano de 1883. Ele foi esculpido por Geppetto um morador de um vilarejo na Toscana, que, antes de cair no sono, deseja que Pinocchio fosse real. Uma fada atende ao seu desejo e dá vida ao boneco. Geppetto passa a tratá-lo como seu próprio filho e Pinocchio começa a sonhar em ser um menino de verdade. A fada que lhe deu a vida diz que atenderá o seu pedido se ele for gentil, honesto e altruísta (ênfase no honesto). O grilo falante foi criado para o filme, ele seria a voz da sanidade que tiraria Pinocchio do fundo do poço.

No livro, Pinocchio é frio, rude, ingrato e só aprende suas lições por meio da brutalidade. Disney achou o personagem antipático demais para conquistar o público e, assim, ele e sua equipe decidiram dar uma repaginada no protagonista, deixando-o mais inocente e bonzinho, mais ainda desobediente. Assim como Branca de Neve, Pinocchio ganhou várias versões e adaptações em todo o mundo ao longo dos anos, principalmente em forma de animação, mas já houveram longas, peças de teatro e até mesmo uma ópera baseada em sua história. Falando em filme, quem não se lembra daquela bomba – Pinocchio e A Fada Azul – lançada em 2003 com Roberto Benigni no elenco? Em 2019, o ator retornou a uma nova adaptação que ainda será lançada, mas dessa vez no papel de Geppetto. Outros projetos incluem o da própria Disney, em sua leva de refazer suas animações clássicas, porém o projeto está no limbo atualmente, já o diretor Guillermo Del Toro trabalha numa animação em stop-motion, que será lançada pela Netflix em 2021.

 

Fantasia (1940)

Este outro longa de 1940 teve um custo três vezes maior do que as outras duas produções da Disney até então e foi uma decepção nas bilheterias, mas virou um clássico com o passar dos anos. Disney queria dar mais popularidade ao Mickey e, assim, decidiu fazer um longa-metragem baseado em O Aprendiz de Feiticeiro – um curta-metragem protagonizado pelo rato. Esta obra, por sua vez, foi baseada em um poema de Goethe. Fantasia foi altamente experimental, afinal, a ideia de casar animação e música clássica nunca havia sido feita antes em longa-metragem. Os primeiros curtas sonoros da Disney seguiam esse padrão na década de 20. Levar a mesma abordagem para os cinemas seria algo arriscado, mas Disney não teve medo.

 

Dumbo (1941)

Uma das animações mais tristes já feitas, Dumbo foi lançado em 1941 para recuperar o rombo nas contas da Disney deixado por Pinocchio e Fantasia. É baseado num livro infantil chamado Dumbo – O Elefante Voador escrito por Helen Aberson e Harold Pearl, publicado em 1938. O livro possui diferenças pontuais em relação a animação, mas no geral a história segue fiel. Para começar, a mãe de Dumbo se chama Ella e não “Sra. Jumbo” e ela não foi trancada depois de defender o filho dos valentões. O ratinho Timóteo era uma ave chamada Red e havia um Professor Coruja que o ensinava a voar, ao invés dos corvos. O nome de Dumbo era apenas Jumbo e não “Jumbo Jr.”. O “J” é trocado pelo “D” pelo dono do circo. Outro detalhe é que Dumbo não sofria buylling das elefantes fofoqueiras, ao contrário, ele era elogiado.

 

Cinderella (1950)

No final dos anos 1940, a Disney estava à beira da falência. A perda de mercados causada pela Segunda Guerra Mundial juntamente com uma sequência de projetos fracassados deixaram o estúdio na corda-bamba. Walt Disney, então, recorreu à obra do escritor francês Charles Perrault – Cedrillon (ou, em bom português, Cinderella) – para salvar a empresa.

Existem várias versões de Cinderella, surgidas em diferentes cantos e épocas do mundo, a versão mais antiga remonta ao ano 860 a.C, na China (quem diria, não é mesmo?), mas a versão mais conhecida é aquela publicada por Charles Perrault em 1697, que por sua vez fora baseada num conto italiano intitulado “A Gata Borralheira“. Até os Irmãos Grimm tem a sua própria versão, na qual Cinderella usa palavras mágicas para realizar seu desejo de ir até o baile, sem precisar da fada madrinha (criação do Perrault) e conta com a ajuda dos pássaros e das árvores que existem em torno do túmulo de sua mãe. Nesta mesma versão, as irmãs más de Cinderella mutilam os pés para que caibam no sapato de cristal. Os passarinhos, vendo a trapaça, atacam as duas, deixando-as cegas. Em outras versões, a fada madrinha é o espírito da mãe de Cinderella, guiando a filha.

O fato de existir tantas versões de épocas e lugares diferentes de uma história que essencialmente é a mesma revela um arquétipo básico, traduzindo o desejo natural do ser humano em ser tido como especial e ser elevado a um status superior. Não é a toa que a literatura e o cinema estão lotados de histórias do tipo.

 

Alice no País das Maravilhas (1951)

 

Lançado pela Disney em 1951, Alice no País das Maravilhas é mais uma de várias adaptações da famosa obra do escritor inglês Lewis Caroll – Alice’s Adventures in Wonderland, publicado em 1865. Walt Disney havia lido o livro quando criança e adaptar a história para um longa-metragem era um desejo antigo. No começo da década de 1930, ele tinha planos de contratar a atriz Mary Pickford para o papel principal, mas então, a Paramount lançou sua própria versão em live-action de Alice no País das Maravilhas em 1933, o que levou Disney a mudar seus planos e direcionar seu foco para Branca de Neve e os Sete Anões.

 

A Bela Adormecida (1959)

No final do século XVII, Charles Perrault estabeleceu as bases do gênero que futuramente seria conhecido como “Conto de Fadas”. Assim como fez com Cinderella, Perrault resolveu pegar um conto publicado na Itália e adaptá-lo do seu jeito para um livro seu. Também como Cinderella, A Bela Adormecida possui várias versões orais, mas a primeira versão impressa foi justamente a versão italiana escrita por Giambattista Basile, publicada em um livro de contos do mesmo autor, intitulado The Pentamerone, em 1634. Foi esse conto que Charles Perrault resolveu adaptar em uma obra própria e, assim, o conto La Belle au bois dormant foi publicado no livro Histoires ou contes du temps passé, em 1697.

Na versão de Basile, a princesa adormece depois de espetar seu dedo num espinho. Após isso, ela é encontrada por um rei que a estupra, deixando-a grávida de gêmeos. Os bebês nascem e ela só torna a acordar quando um deles chupa seu dedo e retira o espinho. O rei descobre que a princesa despertou e manda buscá-la junto com os bebês. Sua esposa fica furiosa e manda fazer um ensopado com as crianças. Seu plano é descoberto e a rainha é, então, assassinada.

 

Mogli: O Menino Lobo (1967)

Jungle Book foi uma série de livros publicados no final do século XIX pelo escritor britânico Rudyard Kipling. Disney resolveu adaptar a obra depois de uma sugestão feita pelo roteirista Bill Peet. Foi ele, aliás, que fez os primeiros esboços de roteiro do longa e entrou em um embate criativo com Walt Disney porque queria ser fiel ao livro, o que implicava também em ser mais sombrio. Para se ter uma ideia, o roteiro de Peet retratava Mogli atirando no caçador Buldeo ao final do longa. Disney achou aquilo violento demais para um filme para a família, o que resultou em uma demissão de Peet por diferenças criativas. Larry Clammons o substituiu como roteirista e quando se encontrou com Disney, ouviu do chefe: “A primeira coisa que eu quero que você faça é não ler esse livro“.

O longa foi o último trabalho de Walt Disney, que morreu em 1966, antes do filme ser lançado. O fator nostalgia beneficiou em muito a arrecadação do filme, afinal Disney era uma figura querida entre o público e, logicamente, muitos americanos haviam crescido com suas animações naquela época, assim como ainda acontece hoje.

 

A Pequena Sereia (1989)

Alvo de polêmica nos últimos dias devido à escalação de uma atriz negra para a adaptação da animação clássica, A Pequena Sereia marcou a volta do estúdio às animações de sucesso. Sem Walt Disney, o estúdio perdeu a mão e embarcou numa série de projetos durante os anos 70 e 80 que nem de perto repetiram o sucesso das animações anteriores da empresa.

A Pequena Sereia já esteve nos planos de Walt Disney no começo dos anos 1930, mas por algum motivo a ideia morreu por ali e só foi ressuscitada pelo estúdio nos anos 1980. A história é uma adaptação de um conto dinamarquês escrito por Hans Christian Andersen e publicado num compilado de contos em 1837, intitulado simplesmente de “Contos de Fada”. Andersen, aliás, também escreveu outros contos famosos, como O Patinho Feio, A Princesa e a Ervilha, As Novas Roupas do Imperador e A Rainha das Neves (cujos poderes da vilã serviram de inspiração para a Elsa, de Frozen).

Na versão original, Ariel sofria muito para andar e quando o príncipe se apaixona por outra, ela vai chorar perto do mar. Nisso, as outras sereias surgem e dão a ela duas opções: ou ela mata o príncipe com um punhal de dois gumes ou vira espuma do mar. Ela escolhe a segunda opção.

 

A Bela e a Fera (1991)

O longa é baseado no conto francês do século XVIII, da escritora Jeanne-Marie Leprince de Beaumont. O que a maioria das pessoas não sabe é que esta versão, a mais conhecida, é uma versão resumida da história original escrita por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve em 1740. O original era um romance de mais de cem páginas, com vários sub-enredos de outros personagens.

A Fera, no original, estava longe de ser a criatura culta que conhecemos, mas ele também era um príncipe, que perdeu seu pai ainda criança. A rainha, sua mãe, partiu para a guerra para defender seu reino e deixou o filho aos cuidados de uma fada maligna. Quando o príncipe se torna adulto, a fada tenta seduzi-lo, mas sem sucesso. Vingativa, ela decide transformá-lo numa besta até que alguém concorde em se casar com ele, sem saber do seu passado, ou de sua inteligência. No reino vizinho, Bela é filha de um rei com uma fada. Sua mãe quebrou as leis da sociedade das fadas ao se apaixonar por um humano, então ela foi sentenciada a permanecer na terra das fadas e Bela foi condenada a se casar com uma terrível besta quando crescesse. Depois da mãe de Bela desaparecer da terra, a fada maligna, que enfeitiçou o príncipe, tenta matar Bela e se casar com o pai dela. A tia de Bela, outra fada bondosa, faz a sobrinha trocar de identidade com a filha morta de um comerciante para protegê-la da fada maligna, e coloca a Fera num castelo magicamente escondido até que Bela cresça.

 

Aladdin (1992)

Aladdin é um dos contos do livro As Mil e Uma Noites, uma coletânea de histórias originadas no Oriente Médio e no sul da Ásia, que passou a ser publicada na língua árabe a partir do século IX. Aladdin foi inserido no livro no século XVIII pelo orientalista e tradutor francês Antoine Galland, que traduziu e publicou a obra na França, depois de tê-la adquirido do escritor Youhenna Diab, conhecido como Hanna Diyab.

Historiadores contemporâneos acreditam que Dyiab é o autor original de Aladdin, graças a descoberta, em 1993, de um manuscrito autobiográfico escrito por ele. Até então, tudo o que se sabia sobre Dyiab vinha apenas de menções feitas por Galland em seu diário. Acredita-se que Aladdin era uma história oral de Hanna Diyab inspirada em sua própria vida, que foi inserida em As Mil e Uma Noites depois que Antoine Galland traduziu a obra para seu idioma.

 

Pocahontas (1995)

Pocahontas foi uma mulher real, cuja história de vida foi transmitida de forma oral a cada geração e permanece controversa até hoje. Seja como for, sua trajetória ganhou ares míticos e ficou eternizada nesta animação da Disney. O nome real de Pocahontas era Matoaka e ela teria entre 10 e 11 anos quando impediu seu pai de matar John Smith, um líder dos colonos raptado por caçadores da tribo Powhatan, sob o argumento de que isso traria o ódio desses colonos.

Pocahontas salvou a vida de colonos em outras oportunidades, o que aproximou ambos os lados. Ao contrário do que dizem, John Smith e ela nunca se apaixonaram. Ele foi apenas um tutor da língua inglesa e dos costumes locais para Pocahontas. Em 1609, ele volta à Inglaterra para se tratar de um ferimento, mas dizem à Pocahontas que ele morreu.

Alguns anos depois, ela é raptada pelos brancos e mantida em uma cela por um ano, até que um comerciante de tabaco chamado John Rolfe a pede em casamento em troca da sua libertação. Pocahontas aceita e passa a viver entre a corte, mas continua prisioneira. Em 1617, Ela vai a Inglaterra com o marido e o filho, reencontra John Smith, é tratada como uma agradável curiosidade pelos membros da corte inglesa e, antes de voltar para sua terra natal, adoece (provavelmente de varíola) e morre.

 

Mulan (1998)

 

Mulan é a última animação clássica da Disney feita nos antigos moldes. Sua história é baseada num poema narrativo chinês intitulado A Balada de Hua Mulan, datado século VI. A obra fazia parte de uma coletânea junto com outros poemas narrativos, mas boa parte dela se perdeu. No entanto, uma versão posterior do poema foi compilada em outra antologia de poemas líricos e baladas no século XI ou XII, por Guo Maoquian. Ninguém sabe se a personagem central existiu de verdade.

 

Se a gente for parar para pensar, a Disney construiu seu império quase todo baseado em adaptações, e isso não é de agora. Desde a década de 1930, o estúdio se apoia em outros materiais para criar seus filmes. Isso não é demérito, nem elogio. Só uma curiosa constatação.