Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert é um dos melhores filmes da sétima arte. Sim, e por mais que seja uma afirmação que não surja em tempos modernos, ao olhar para o projeto como um todo, desde sua produção e até os seus conceitos. Esse filme não somente inovou, mas entregou algo que subverte muito do que já vimos no cinema. E além disso, ele reconta um conceito que nenhum outro estúdio ou filme irá conseguir fazer, o Multiverso.
Tudo de um Multiverso além da Loucura

O conceito do multiverso é algo que já existe há muito tempo. Na própria ciência, ela é uma teoria existente, onde por mais que não possa ser comprovada, é algo relevante para a área. A ideia falando de forma bem rasa, consiste no fato de que existem vários universos diferentes, onde em cada um deles nós temos uma versão diferente de cada pessoa. Eu por exemplo poderia estar em outra realidade escrevendo esse texto em um bloco de concreto, ou não usando as mãos e sim os pés porque a sociedade desenvolveu somente eles.
A Marvel Studios já está trabalhando com esse conceito há algum tempo. Tivemos Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, Loki e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. A forma como atualmente estão desenvolvendo o tema, serve para vender uma nostalgia aos espectadores e assim atrair o público jovem e também antigo. Tal ideia traz uma nova ferramenta para os filmes da Marvel, mas também criou a necessidade por suprir expectativas. Os problemas pelos quais a Disney está passando, surgiu devido à expectativa criada pelo próprio estúdio, e ao seguir adiante, o básico se tornou ruim, e eventos viraram uma necessidade da audiência.
E anteriormente também tivemos esse conceito sendo mais desenvolvido em Rick e Morty. Na animação vemos um ponto de vista mais niilista da qual o fato de existir diferentes realidades, torna sua própria irrelevante. O conceito que é o ponto de vista do personagem Rick demonstra uma visão mais madura da ideia, e com isso percebemos uma visão que destoa das demais como Marvel e DC.
Já em Tudo ao Mesmo Tempo em Todo Lugar vemos esse conceito sendo introduzido de uma maneira inusitada. O multiverso possui uma ideia similar, mas consegue ser mais ousada que a maioria onde existem as mais diversas realidades, incluindo uma com mãos de salsicha. Através de uma tecnologia criada pelo Alpha Waymond (que irei falar adiante), é possível acessar as habilidades de cada versão sua do multiverso. Entretanto para acessar essas versões, você precisa realizar uma ação randômica da qual irá te catapultar para outra realidade. Um exemplo é usado pelo próprio Alpha Waymond, onde ele precisa se cortar três com uma folha de papel para acessar outra realidade.
O filme consegue captar não somente a ideia sobre o multiverso, mas eleva ela de uma forma praticamente cômica da qual essas infinitas realidades tornam toda possibilidade possível. E nas mãos de um estúdio ou diretor que se contentaria em algo básico, aqui isso não ocorre. Desde a ação, até a forma como é utilizado o conceito do multiverso, vemos uma criatividade que fazia falta. Além de realidades alternativas, temos estilos de gravações diferentes, cenários, lutas e entre outros aspectos que tornam cada realidade única. E mesmo com tanto destaque para esse conceito, ele é somente o plano de fundo para algo ainda maior.
Em todo lugar sentimentos e bizarrices

Um complexo tema, que se mistura com em diversos momentos com uma caótica direção e também personagens peculiares. E apesar de tudo isso, nós temos uma trama que aborda com profundidade e delicadeza, os sentimentos humanos.
A protagonista Evelyn (Michelle Yeoh) possui uma lavanderia, contudo sempre vive nas nuvens pensando nas possibilidades que a vida dela poderia ter tomado. Enquanto isso temos Joy (Stephanie Hsu), a filha de Evelyn que atualmente passa por dificuldades com sua família devido ao fato da sua sexualidade ser escondida por parte da família e eles não aceitarem suas decisões. Fora tudo isso temos o pai de Evelyn Gong Gong (James Hong), que possui uma saúde debilitada.
Por mais que o filme trate de trazer uma ação frenética e elementos sci-fi, a trama em volta dessa problemática família é o que mantém o enredo vivo. Temos sentimentos que são humanos e tratados com total atenção pela produção. Jobu Tupaki, uma versão alternativa de Joy que deseja destruir o multiverso, expões os problemas que são escondidos em camadas criadas por Evelyn. O niilismo abordado no filme, e a relação de nada mais importar ou fazer diferença em um multiverso de infinitas possibilidades, amplia a discussão da história.
Nada mais move Jobu Tupaki, que em sua realidade original teve sua mãe fazendo testes nela até o momento onde ela rompeu a barreira das realidades. Nossa perspectiva sobre tudo isso, assim como Evelyn pela primeira vez é suspeita, questionando tudo aquilo que está acontecendo. Ao enxergar todas as possibilidades que a vida dela poderia ter sido, ela sente que a sua realidade é um inferno pessoal, do qual ela fracassou. E em meio ao caos de tantas informações, temos Waymond pedindo o divórcio para ela, entretanto isso se torna sem importância com tantos acontecimentos em volta da protagonista.
A jornada de Evelyn rumo ao niilismo absoluto, onde nada mais importa é intensa, e nos leva a questionar nossa própria vida. O que fazemos, e o porque talvez de fato não importe, e no final nada faça diferença, até porque iremos morrer e ser esquecidos nesse universo gigantesco. No final das contas, para Jobu, Evelyn e até mesmo nós, tudo se resumo a um final sem propósito, que se torna mais uma coisa irrelevante no centro de um Bagel multiversal.
Ao lado da protagonista somos levados em diversas realidades, onde tudo começa aos poucos há desmoronar, onde o confronto é a única opção. Quando o confronto não se torna mais possível, não existe mais nada pelo qual lutar. E em meio ao caos do multiverso, estando próximo do fim temos um momento de vislumbre, para alguém que até o momento era um personagem passivo para nós, contudo ele a partir disso seria visto como o mais importante dessa trama… Waymond.
Ao mesmo tempo existe algo pelo qual apreciar

Desde a primeira cena do personagem Waymond no filme, temos a perspectiva de um personagem unilateral, do qual não possui uma perspectiva de desenvolvimento, ou significância na trama. E indo além disso, o personagem possui uma fragilidade que não combina com um filme que demanda “ação”. Quando o Alpha Waymond surge, sendo algo totalmente contrário do personagem que conhecemos, damos uma importância para ele.
A figura de um personagem ativo, que até mesmo sobressai sobre Evelyn, dando um senso de autoridade por sua figura ativa e masculina, faz com que nossa perspectiva mude. Agora ele tem importância, agora ele está ativo na trama como alguém que faz a diferença. E a partir do momento que vemos o Waymond normal de novo, sentimos a agonia de Evelyn, da falta daquela presença ativa da qual toma decisões por ela e também por nós. E a virada, e talvez o ápice do filme está por trás desse personagem, do qual sempre vimos, mas nunca prestamos atenção.
No terceiro ato do filme, chegando na reta final onde Evelyn está enfrentando tudo aquilo há partir de um ponto niilista, vemos uma última vez Waymond tomar um papel ativo, mas dessa vez sem poderes, sem sua pochete ou Kung-Fu. Durante o combate final temos Evelyn desistindo de tudo, contudo Waymond interfere indo em busca de um diálogo, sentido que tudo aquilo é de alguma forma culpa sua. Já em outra realidade vemos a versão de Evelyn que se tornou uma atriz de sucesso e nunca se casou com Waymond que está conversando com ela. E na terceira realidade temos uma situação similar, onde está ocorrendo uma festa na lavanderia e podemos enxergar Waymond tentando resolver as coisas com a cobradora de taxas e impostos.
Durante esse momento, percebemos o que está por trás do personagem e sua essência. Ele está ali, buscando uma outra forma de enfrentar tudo aquilo, não através do ódio ou violência, mas gentileza e empatia. Quando na segunda versão temos Waymond afirmando que em outra realidade ele gostaria de ter vivido algo simples ao lado de Evelyn sendo dono de uma lavanderia, olhamos então para quem o personagem realmente é. Ele escolheu lutar de uma forma diferente, enfrentar não somente aquelas situações, mas a vida através de uma outra perspectiva, com palavras e não punhos.
O personagem que aparentava ser o mais irrelevante para a trama, na realidade é o mais importante, estando em vários momentos ativo e interferindo diretamente no que está acontecendo. Fugindo de qualquer estereótipo com base em uma figura masculina que não pode ser frágil, aqui vemos alguém que escolheu um caminho diferente.
E nos momentos finais do filme, temos Evelyn buscando se reconciliar com Joy, e todas as demais realidades tentando buscar também uma reconciliação de certa forma. Ali vemos a influência de Waymond, onde devemos não dar uma chance ao ódio ou violência, mas para a gentileza. Durante um incrível diálogo final, vemos Evelyn dizendo “Por favor, nos dê uma chance”. E afinal, não será isso que devemos fazer? Afinal se existe infinitas realidades, com infinitas possibilidades onde tudo aconteceu e nada importa, então porque não tentar? No final de Tudo em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo não temos uma comodidade para aquela realidade, mas uma perspectiva diferente, onde até mesmo o mais simples ato de abraçar alguém ou tomar um bom copo de café, se torna a coisa mais importante de todas, afinal de contas…
Se nada mais importa, então no final, tudo importa.