As lendas arturianas com toda a certeza são uma das mais famosas de toda a cultura literária, desde: Le Morte d’Arthur de Sir Thomas Mallory datada do Século XV, que é um compilado de diversas histórias sobre o Rei Arthur e seus companheiros, passando por O Único e Eterno Rei, de T.H. White, publicado em diversas partes ao longo de décadas, até chegarmos a obras mais recentes como: As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley e a trilogia As crônicas de Artur, de Bernard Cornwell. Ainda temos as adaptações cinematográficas, como a animação clássica: A Espada Era a Lei, de Wolfgang Reitherman (Mogli – O Menino Lobo), até a mais recente adaptação da obra: Rei Arthur – A lenda da espada, de Guy Ritchie (Sherlock Holmes: Jogo das Sombras). Nos quadrinhos, a mitologia do herói é muito presente de diversas formas, porém ninguém conseguiu adaptar esta história de forma tão interessante como: Camelot 3000.
Podemos dizer que este quadrinho é fruto de um dos eventos mais significativos da indústria de quadrinhos desde a Era de Ouro, chamada: A Invasão Britânica. Datada no início dos anos 80, quando o selo Comics Code Autthority (imagem ao lado) , criado como uma forma de auto censura para histórias que eram consideradas desaconselháveis para serem publicadas na época, já vinha perdendo força desde os anos 70 com histórias pesadas como Morte de Gwen Stacy, considerada o Fim da Era de Prata, Arqueiro Verde e Lanterna Verde, que tinha diversos conceitos pesados das chamadas periferias americanos e uma das mais famosas da época: Demolidor, repaginado pelo conceituado: Frank Miller, que trouxe para a mitologia do herói um ar mais urbano e noir, com uma dose alta de violência e uso de drogas, fazendo um sucesso estrondoso justamente por sua ousadia.
Tendo isso em vista, para a DC Comics conseguir acompanhar as mudanças drásticas na indústria, a editora Karen Berger estava à procura de artistas para repaginar seus heróis. Essa “caça de talentos” a levou até a Europa, aonde ela encontrou a 2000 AD, que publicava o título Warrior , que contava com diversos roteiristas e desenhistas de alto nível, vendo seu potencial, logo os trouxe para a América, sendo o primeiro deles: Alan Moore, que revolucionou o conceito de história e narrativa americanos para sempre com A Saga do Monstro do Pântano, o que abriu ainda mais as portas para outros autores ingressarem no mercado americano.
Dentre estes artistas que ingressaram no mercado americano decorrente desta invasão, temos os dois criadores desta incrível história: o roteirista Mike W. Barr (Batman – O Filho do Demônio) e o desenhista Brian Bolland (Batman – Piada Mortal), que se passa nos anos 3000, aonde a terra está sofrendo um ataque de uma raça alienígena oriunda do décimo planeta do nosso sistema solar (na época da publicação, Plutão ainda era considerado um Planeta e não um Planeta Anão, como é chamado hoje em dia), que não possui praticamente nenhuma defesa contra a investida, já que deixou toda a exploração interplanetária de lado em uma medida implementada pela ONU, que consideraria que os recursos seriam bem mais utilizados na reconstrução da sociedade após o término da Terceira Guerra Mundial.
No meio de um dos ataques à Inglaterra, Tom Prentecie, um estudante de arqueologia, foge com a sua família para a França, porém é interceptado por uma nave perto do monte de Glastonbury Tor, ao tentar mais uma vez escapar, acaba indo parar em túneis de pesquisa arqueológicos, aonde encontra a tumba do Rei Arthur e o acorda no processo, salvando Tom de seus perseguidores. Após uma rápida explicação do porquê o herói estava desacordado por todos estes anos, ambos partem em busca do Mago Merlin, que se encontra preso nas famosas ruínas de Stonehenge, o libertando e partindo em busca da Excalibur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, que apesar de a maioria ter reencarnado de forma bem diferente, ainda foram conservados conforme suas antigas personalidades, e só então começarem a sua luta contra os algozes da humanidade e a maligna Morgana Le’Fay.
Muitos dizem que Camelot 3000 por ter sido publicada nos anos 80 e ter muitos elementos da época, é uma obra datada, porém o roteiro desta maxissérie, está muito à frente de seu tempo. Os conceitos utilizados, apesar de serem comuns hoje em dia, para os anos 80 eram extremamente ousados, como a adesão de lesbianismo no caso de amor de Sir Tristan e Isolda, o discurso de Sexíssimo, a segregação racial por parte de Sir Gaiwain e muitos outros, são colocados de forma orgânica e crível ao longo da trama, somando ainda mais a história. A narrativa possui um ritmo alucinante, mas não vazio, com diálogos ricos e uma história cativante e muito inspirada nos contos antigos do já citado Sir Thomas Malory, principalmente pelo elemento de Arthur voltar quando a Inglaterra mais precisasse.
Os desenhos de Brian Bolland, vão melhorando conforme decorre as edições, considerando que ele também estava passando por um novo desafio. Os profissionais europeus costumam trabalhar desenhando e arte-finalizando suas obras, o que demanda um tempo relativamente descomunal que não casava com a periodicidade americana de publicação, então ele se viu “forçado” a trabalhar com diversos outros artistas que davam os toques finais, sendo eles: Bruce D. Patterson (Capitão Marvel), Terry Austin (Lanterna Verde e Surfista Prateado) e Dick Giordano (Sandman – Fábulas e Reflexões), o que por fim somou demais a arte, tornando a experiência visual inigualável e difícil de ser encontrada em algum outro arco.
A importância de Camelot 3000 é descomunal para a indústria dos quadrinhos, principalmente por ser um dos principais clássicos da DC Comics que não possui nenhum herói da Casa das Lendas e é publicado até hoje sob o selo da editora. Marcante e ao mesmo tempo extremamente divertida de ser lida, esta é uma das histórias que realmente não podem faltar na coleção e que apesar de desconhecida para o público em geral, ainda é com toda a certeza um dos maiores clássicos dos quadrinhos.