Nada melhor do que assistir um filme desnudo de expectativas, certo? Então, JJ Abrahms, mestre das teorias da conspiração, criador e showrunner de “Lost” e “Alias”, diretor do bom “Super 8” e dos novos “Star Trek” e dos episódios VII e IX de Star Wars (sim, o cara é o DONO da cultura pop recente), vem e lança o novo filme da franquia “Cloverfield” HORAS depois do lançamento do trailler, veiculado no Superbowl LII. Mas, o que era para ser uma experiência de expectativa zero, jogou zero para 1000 ao colocar o frisson nos fãs.
Eu, particularmente, gostei muito do filme de estreia, “O Monstro”, mas não esperava que aquele longa de “found footage” se tornaria uma franquia. Tanto que, quando JJ lançou o “Rua Cloverfield, 10”, tive que assistir “O Monstro” novamente, para entender o que uma coisa tinha a ver com a outra. E a prática se faz necessária novamente, com a união da franquia com a Netflix, pois o gênero de filme mudou, novamente. Do “found footage” do primeiro filme, para o thriller de suspense do segundo, passamos para o terror de ficção científica no terceiro.
Cadê o Cinema, NETFLIX?
A operadora de streaming está mudando nossa maneira de assistir filmes e séries. Primeiro, mudou as séries, que tinham longas temporadas de 24 episódios, que atendiam as necessidades de grades de programação das TVs, que (nos EUA) mudam semestralmente. Entendam: o ano tem 52 semanas (entendeu o 52/novos 52 da DC?) e as séries ocupando 24 semanas deixam o ano com espaço para duas séries por horário, mais 1 mês livre para reprises e pilotos. A Netflix conseguiu subverter o formato, pois, uma vez que as séries não são necessariamente semanais (salvo raras excessões), para o serviço de streaming, que é regulado quase que única e exclusivamente pela demanda (por isso, o nome Video On Demand, ou VOD), deixando as obras com maior liberdade criativa e menor necessidade de “encher linguiça” (que é o que parece que estou fazendo aqui, mas não é, acredite).
Até aí, tudo bem. A gente já via as séries pela TV e trocar a telinha pelo monitor do nosso computador (e, posteriormente, tablets e celulares) parecia apenas a resposta a uma demanda já observada no público e um passo natural, até no combate à crescente pirataria na internet. Mas a política de exclusividade de conteúdo da Netflix invadiu os filmes e tornou muito estranha a outrora clara fronteira entre os filmes “para TV” e os “featured movies”, como são chamados os filmes que vão para circuito de salas de cinema, nos EUA. Estranha, porque Até dois anos atrás, dizer que o filme iria para a TV ou que somente atenderia ao mercado de Home Video (DVD, Blu-Ray e VHS) era quase que rebaixar o produto para a “série B” do audiovisual. Os investimentos caíam e os filmes para TV não tinham sequer orçamento para tratamento de cor, o que se dirá de efeitos visuais e CGI.
Subvertendo esta lógica, a Netflix começou a criar, para seu catálogo, longas no naipe de “Okja”, “Bright”, “1922”, “Ridiculous 6” e tantos outros (como os advindos do contrato de exclusividade com Adam Sandler), que tê qualidade o suficiente para serem exibidos em circuito comercial, mas a operadora de streaming prefere que você os veja em casa. Esta discussão já chegou às premiações de cinema, que costumam exigir que as obras sejam exibidas na grande sala escura de tela gigante para que participem de indicações. E, com “The Cloverfield Paradox”, a empresa foi adiante e o filme, que tinha estreia nos cinemas para maio deste ano, foi lançado na plataforma assim que acabou o Superbowl, na última segunda-feira, abrindo mão do circuito comercial.
E o que isso tem a ver?
Até aí, tudo bem. O primeiro filme do Justiceiro a ser feito, por exemplo, teve toda a pompa e orçamento de filme de cinema, mas foi lançado apenas em Home Video e faturou horrores. Não é, lá, um grande filme, mas diverte. E, provavelmente, se fosse para circuito comercial, floparia, como vários filmes de super-heróis da década de 1990. Mas o que “O Paradoxo Cloverfield” tem com isso? Tem que, provavelmente, a decisão de JJ de fechar a exclusividade com a Netflix tem mais a ver com o produto que ele viu que tinha em mãos do que com o “hype” que isto iria causar.
O roteirista Oren Uziel não é exatamente um estreante, mas ele ainda não conseguiu emplacar um grande sucesso nas telas. Ele até que fez um papel competente no roteiro e segura bem a trama nos dois primeiros atos do filme. A construção do dilema de Hamilton, uma excelente protagonista – mulher e negra, a propósito, coisa que a indústria costuma torcer o nariz e que a Netflix vem abraçando com méritos -, é bem feita e alicerça a trama do filme, que é crescente e interessante. A engenheira, que pertence a uma família disfuncional, por conta da perda dos dois filhos, precisa abandonar o marido na Terra para salvar o planeta de um colapso energético. Para isso, um acelerador de partículas é construído numa base espacial plurinacional, que precisa fazer uma fusão nuclear arriscadíssima (por isso, no espaço), para que um gerador de energia infinita seja criado (para saber mais sobre a veracidade de um procedimento como este, digite “Tokamak”, no google).
Nem precisamos dizer que a coisa dá MUITO errado e que este é o mote do filme, certo? Não vou dar mais detalhes, para evitar spoilers, mas é, basicamente, isto.
E é bom?
Roteiro amarradinho, JJ resolveu procurar um diretor para contar sua história em imagens. E a escolha também é questionável, apesar de ter me parecido uma boa. Um diretor de segundo longa, Julius Onah pode ser novato, mas mandou bem. O ritmo do filme vai aumentando com o tempo. Nenhuma ponta é deixada solta e a história se desenvolve com competência. O filme te envolve tanto nos acontecimentos, que até soluções esdrúxulas, como a do braço amputado (assista e entenda) são aceitas pelo expectador, que passa a querer entender o filme como algo sobre “coisas absurdas que acontecem em paradoxos temporais”. Mas, infelizmente, não é isso. O filme é mais algo sobre dimensões paralelas do que sobre paradoxo e você acaba se decepcionando, quando um filme, que parecia tão competente com a ciência (ficção científica, lembra?) vacila NO TÍTULO. É um filme que diverte, mas apenas naquele nível que você sabe que ele só está no pacote que você pagou para ver Stranger Things, e não no nível que você pagou ingresso e pipoca e saiu de casa para assistir.
E Cloverfield?
O filme se encaixa com os outros da série como um prequel. Ele acontece antes de tudo. Lembra do blecaute em “Rua”, que deixa uma faixa vermelha no céu? É o acelerador de partículas. E o mundo do “Monstro” é a Terra na qual a estação espacial caiu no oceano, podendo ligar, inclusive, com franquias como “Pacific Rim” e “Godzilla” (rs… tá, parei!). É basicamente isso, sem grandes spoilers.
E a técnica?
Tecnicamente, o filme chega a parecer competente. A direção de fotografia de um filme espacial não chega a ser linda, como Interestelar, mas é competente. A iluminação não parece, lá, muito realista, muito menos bonita. Iluminação prime-time, digna de um filme para TV, mesmo, sem grandes cuidados. A direção de arte também tenta e entrega bastante, mas a ambientação espacial da ficção científica toma muitas licenças poéticas, especialmente no trecho do filme em que eles tentam se desvencilhar de um pedaço da nave. Aliás, ô pedacinho piegas, hein, JJ? Poderíamos ficar sem este clichê.
Vale?
Vale, como já dito antes, na medida que você não vai pagar nada a mais por isso e, sim, o filme diverte. E acredito que, se você é fã de filmes cheios de easter eggs e, em especial, da franquia Cloverfield, você precisa ver, para ficar de olho nos próximos. E, convenhamos, é interessante termos uma franquia de filmes que têm ligação entre si, ao mesmo tempo que são narrativas fechadas e independentes. Eu gosto da ideia. Inclusive de transitar entre gêneros. O final é uma sequência de clichês decepcionante? Sim. Mas diverte.
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