Ainda Estou Aqui já é considerado um dos maiores sucessos do cinema brasileiro. Tanto em região nacional quanto internacional, o filme vem tomando proporções cada vez maiores e agora disputando a corrida do Oscar e dentre outras premiações. Fernanda Torres, Selton Mello e o diretor Walter Salles mostram a versatilidade e destreza do nosso cinema, mas também revela um lado cruel de nossa realidade.
No filme acompanhamos a família Paiva buscando viver no início dos anos 70 durante o endurecimento da ditadura militar no Brasil. O casal Rubens (Selton Mello) e Eunice Paiva (Fernanda Torres) tentam criar seus cincos filhos durante esse período até que um dia Rubens é levado pelos militares e desaparece.
Baseado na história real de Eunice que foi uma advogada e esteve à frente da luta contra a ditadura militar, vemos aqui um relato sensível, mas também cruel sobre como esse período foi responsável por destruir famílias e deixar marcas profundas na vida das pessoas.
Uma mão invisível
Talvez um dos elementos narrativos que mais me prendeu durante a experiência de assistir ao filme, foi um sentimento desconfortável que me deixava o tempo todo em agonia. Havia ali o sentimento de que à qualquer momento alguma coisa poderia acontecer, de que aqueles personagens estavam sendo vigiados e poderiam há qualquer momento serem levados.
Esse sentimento se estendeu durante toda a sessão, até chegar ao final e mesmo livre de qualquer ameaça, era possível sentir o que foi passado ali. E esse sentimento potencializa a narrativa justamente por ser algo pelo qual Eunice também passa.
Uma mulher agora sozinha, tendo que criar seus filhos e ao mesmo tempo lidar com a constante ameaça e sombras que a cercavam. E o desconforto do desconhecido, de não saber o que aconteceria se passava ao sentirmos a ausência de Rubens.
A construção inicial do filme nos permite se aproximar desse homem que era um pai de família preocupado com sua família e disposto a ajudar quem precisava. No momento de partida, é como se tudo mudasse na história, seu tom, sua fotografia, até mesmo os sorrisos se tornam opacos perante tudo que acontece.
Quando a alegria se torna uma máscara
“Sorriam!”
Essa fala é dita em diversos momentos durante o filme, e é impressionante em como ela toma um aspecto diferente quando Rubens desaparece. Agora esse sorriso não esboça um sentimento, mas serve como máscara e também como arma contra aqueles que ameaçam essa família.
E aqui está o destaque merecido para a grande Fernanda Torres. Uma atriz que se destacou na comédia e teve também grandes momentos em dramas e outros gêneros, agora mostra toda sua habilidade em uma personagem pela qual você se importa, você se preocupa e você sente o que ela está passando.
Vemos como seu sorriso muda, sua expressão e também a forma como seus olhos sempre estão à espreita de tudo. Uma delicadeza em cada movimento que só poderia vir de uma atriz que pudesse carregar o peso de uma história tão impactante.
As nuances que vemos aqui são cruciais para você entender o impacto inclusive da cena que tem sua mãe, Fernanda Montenegro, que em 5 minutos demonstra o porque dela ser uma das maiores atrizes da história. Então no final, perante a dor que nos é apresentada, o que nos resta? Sorrir. Olhar para um amanhã e lutar por ele, lutar para que essas memórias sejam lembradas e essa dor não seja esquecida, para que sempre os culpados sejam um dia punidos.
A Ditatura Militar foi um período que destruiu muitas vidas, mas também mostrou a força de muitos e aqui vemos a arte novamente fazendo seu papel, transmitindo a dor sentida e nos lembrando que a luta apenas começou.