O Cavaleiro das Trevas – amado e odiado por muitos – sem dúvidas, é um dos heróis de maior fama e sucesso da indústria dos quadrinhos. Com inúmeros clássicos ao longo dos anos, o Morcegão continua em boas mãos, com o espetacular Tom King. E ao analisar-se sua trajetória há mais de 40 anos, é possível notar o porquê do cruzado encapuzado ainda ser um personagem tão popular e com fases excelentes ainda nos das atuais.
Os anos 60 fizeram muito mal ao justiceiro mascarado. Com o selo Comics Code Authority, suas histórias perderam o caráter mais sério e sombrio. Batman passou a enfrentar alienígenas, vestir uniformes multi-coloridos, e se tornar alvo de piada. Com o público-alvo sendo as crianças, o personagem deixou de enfrentar gangstêrs e bandidos de meia-tigela. Ainda com a famosa série de 1966, a qual catapultou as histórias infantis, o morcego perdeu toda sua credibilidade entre os adultos e os leitores que viram o mito nascer, lá em 1939, mais precisamente, na Detective Comics n°27. Mas, obviamente, o “reinado de besteirol” não poderia durar.
Após o cancelamento da série, a DC perdeu diversos leitores das revistinhas do Morcegão. Por que? Porque depois de tanta infantilidade (e, sinceramente, vergonha alheia), os leitores acabaram enjoando das histórias bobinhas. A arma do herói destinado ao público infanto-juvenil estava com a popularidade, entre todas as faixas etárias, lá em baixo. Afinal, as crianças que passaram anos lendo as mesma histórias haviam virado adolescentes. E do que os adolescentes gostam?
Se você respondeu violência, sangue ou porradaria, parabéns, você acertou na mosca. Os editores da DC decidiram que era a hora de voltar o personagem às suas raízes, a tão amada luta contra o crime. E dois nomes imortais e lendários foram convocados para a missão.
Dennis O’Neil e Neal Adams.
A partir do anos 70, o vigilante passou a ter suas boas e velhas histórias voltadas para o clima noir dos anos 30. Gangues, supervilões e muita, mas muita violência. Era tudo que o bilionário de Gotham City precisava.
Com a dupla de gênios, o playboy, bilionário, filantropo (referência?) e mestre de artes marciais enfrentou novos desafios, como o terroristaa genocida Ra’s Al Ghul, o Morcego-Humano, e diversas outras ameaças criadas pela brilhante dupla. Obviamente, o seus arqui-vilão também precisaria voltar às origens. O palhaço que cometia crimes apenas para chamar a atenção do seu inimigo morcego, e roubos insignificantes, para atender as exigências do CCA, agora voltaria a ser o maníaco homicida que mata por prazer. O Coringa também estava de volta! E tudo isso em uma década, ufa!
Dos anos 70 em diante, foi só sucesso. Batman passou por roteiristas de renome como Gerry Conway, Mike W. Barr, e claro, Frank Miller, que dispensa apresentações. Todos foram essenciais, mas Miller é o responsável pelo Batman que temos hoje, bravo, forte e destemido. As suas minisséries Batman – O Cavaleiro das Trevas e Batman – Ano Um, são clássicos essenciais para qualquer fã do morcego, para qualquer fã de quadrinhos. Nesta mesma década, ainda tivemos Morte em Família, uma das histórias mais tristes e emblemáticas do Morcegão, e Asilo Arkham, obra-prima do fantástico Grant Morrison. Para completar, o seu arqui-inimigo caiu nas graças do maior escritor de quadrinhos de todos os tempos. Sim, estou falando de A Piada Mortal, de Alan Moore. A origem definitiva do Coringa, que proporciona teorias de conspiração e diversas polêmicas até hoje. E para fechar a década com chave de ouro, um filme com seu nome, dirigido por Tim Burton, protagonizado por Michael Keaton e antagonizado por Jack Nicholson! O que mais o cruzado encapuzado poderia pedir?
Passando para os anos 90, após a Crise nas Infinitas Terras, o encapuzado caiu nas mãos de autores como Chuck Dixon e Alan Davis, e ainda ganhou outro clássico essencial, O Longo dia das bruxas, pelos incríveis Jeph Loeb e Tim Sale. Esses dois ainda escreveriam Vitória Sombria e Dia das Bruxas, outras excelentes HQs.Ainda fomos presentados com clássicos como Knightfall e Terra de Ninguém. Batman ganhou a companhia de Tim Drake, após a morte do 2° Robin, Jason Todd, em Morte em Família, enfrentou o fisiculturista Bane, reergueu Gotham após uma epidemia e um terremoto, ganhou mais três filmes, e ainda estava de pé. Como sempre esteve.
Ponto pro Morcegão!
Ah, os anos 2000… novo milênio, velho Batman. Novamente nas mãos de Jeph Loeb, mas agora desenhado por Jim Lee, o Morcegão continuou com HQs de ponta, como Silêncio, a volta de Jason Todd dos mortos, e o melhor ainda estava por vir. Grant Morrison.
Talvez o melhor escritor do morcego de todos os tempos, Morrison amoleceu o coração do heróizão taciturno dando-lhe um filho tão ranzinza e mal-humorado quanto o próprio, fez-o morrer e voltar dos mortos em Descanse em Paz, fez o morcego volta no tempo em Crise Final, deu o manto ao seu verdadeiro sucessor, Dick Grayson, e ainda sobrou tempo para criar a Corporação Batman. E mais dois filmes haviam sido lançados pelo magistral Christopher Nolan, com o Bruce Wayne mais querido dos cinemas interpretado por Christian Bale, com Batman Begins e Batman – O Cavaleiro das Trevas, antagonizado pelo lendário Heath Ledger, que também dispensa apresentações. E o morcego ainda ganhou seu primeiro game de uma franquia inesquecível, com o memorável Batman: Arkham Asylum. Tá bom ou quer mais?
Partindo dos anos 2010 e chegando aos tempos atuais, apesar do sofrimento dos novos 52, o cruzado encapuzado conseguiu manter o alto nível, com Scott Snyder. A Corte das Corujas, Endgame, e também Batman & Robin de Peter Tomasi, são apenas alguns exemplos de excelentes histórias protagonizadas pelo prodígio da DC. Ainda tivemos a conclusão da trilogia Nolan, para fechar novamente com chave de ouro. O morcego continuou sendo um fenômeno, mesmo perdendo e ressuscitando o filho, morrendo de novo, lutando contra um alienígena nos cinemas, e ganhando mais três games: Arkham City, Origins e Knight. Arkham City está entre os 10 maiores games de todos os tempos, imortalizando a franquia Arkham. É muito sucesso para um personagem só!
E finalmente chegamos ao tão elogiado, amado e comentado, Universo DC Renascimento. Mesmo com boas histórias, estavam faltando os elementos clássicos pós-crise do Morcegão, apagados pelo estúpido reboot dos novos 52. O mestre de artes marciais ganhou um novo-velho uniforme, um novo roteirista, mas, o mais importante, manteve o alto nível. Ainda no comando, Tom King continuou a escrever clássicos para o vigilante mascarado, como Eu sou Bane, que está sendo publicado atualmente no Brasil, A guerra das piadas e charadas, e o prólogo de Doomsday Clock, o magnífico The Button. Em 2018, ainda teremos seu casamento com a sua antiga paixão Mulher-Gato, e o retorno de sua nêmesis, o insano Coringa. Este ano promete.
Após esse retrospecto de mais de 40 anos, acredito ter deixado o meu ponto de vista bem claro: o Morcegão não teve mais fases ruins. É claro que, em tanto tempo, algumas HQs não foram do mesmo nível das quais eu citei. Mas no meio de tantos clássicos, essas pequenices acabam sendo esquecidas. Em 40 anos, o morcego já foi derrotado fisicamente, intelectualmente, e espiritualmente. Porém, ele sempre se reergueu. Nunca sequer cogitou desistir. Por mais que muitos fãs tirem sarro do herói, ele sempre foi, é, e será um símbolo, um ídolo, um mito a se seguir.
E é por isso que o Batman é o que é hoje: um imortal.