O cineasta Gabriel Vinícius vem conquistando espaço no cinema brasileiro com projetos autorais que misturam poesia, crítica social e intensidade dramática. Em entrevista, ele fala sobre sua trajetória, suas influências e revela detalhes de Além do Atlântico, documentário internacional em andamento.
Gabriel, quando e como surgiu o seu interesse por cinema? Há algum momento decisivo que te fez seguir esse caminho?
Meu interesse por cinema começou ainda na infância. Eu e meus amigos brincávamos de gravar pequenos filmes de zumbi, daqueles bem improvisados, com o que a gente tinha em mãos. Eu sempre acabava atrás da câmera, organizando as cenas e tentando dar alguma lógica para a história. Foi nessa brincadeira de criança que percebi o quanto gostava disso. Esse foi o ponto de partida: algo muito inocente, mas que aos poucos se transformou numa paixão para toda a vida.
Quais foram seus primeiros projetos? Como foi o desafio de colocar as ideias em prática no início da carreira?
Meus primeiros projetos aconteceram quando eu ainda morava no interior. Numa cidade bem pequena. Comecei dirigindo videoclipes simples para artistas locais, muitas vezes sem equipamentos adequados ou estrutura mínima de produção. Claro que isso era um grande desafio, mas também foi uma escola. Aprendi a me virar, a encontrar soluções criativas e a lidar com imprevistos. Anos depois, finalizando a Pós Graduação em Cinema, tive a real percepção da importância disso tudo. Essa fase criou uma casca que até hoje levo comigo em qualquer set: a ideia de que cinema também é sobre resolver problemas e transformar limitações em possibilidades.
Qual trabalho até agora você guarda com mais carinho e por quê?
Sem dúvida, o trabalho que guardo com mais carinho é Ela Toma Placebo, meu novo projeto que está prestes a ser lançado. Venho desenvolvendo esse filme desde 2022, em parceria com o roteirista Lucas Maia. Passamos por diversas versões de roteiro, contamos com a colaboração intensa da equipe, realizamos vários testes de elenco e enfrentamos muitas dificuldades na produção. Também foi uma jornada de mobilização importante, que reuniu o apoio de muita gente. Agora, ver tudo tomando forma e tão próximo de chegar ao público me traz uma sensação única. Mesmo antes da estreia, já é um filme que ocupa um espaço especial na minha trajetória.
Quais foram suas principais influências — cineastas, filmes ou movimentos artísticos — e de que forma eles moldaram seu estilo?
Eu venho muito do documentário, então é natural que minhas primeiras influências estejam nesse universo. Sempre admirei cineastas como Eduardo Coutinho e Petra Costa, que conseguem transformar a realidade em narrativa poética, com emoção e verdade.
Mas, ao mesmo tempo, sempre me encantei pelo cinema europeu contemporâneo, de diretores como Ruben Östlund e Paolo Sorrentino, que sabem unir crítica social, estética e intensidade dramática. E também não dá pra negar minha admiração pelo cinema de horror e suspense da nova geração, especialmente os filmes da A24, com nomes como Ari Aster e Robert Eggers. Eles provaram que o gênero pode ser artístico, autoral e cheio de camadas. No fim, meu estilo acaba sendo essa mistura. Tento trazer tudo o que gosto e criar minha própria narrativa.
Conte-nos: qual é o tema central do documentário internacional que você está produzindo? De onde veio a ideia?
Além do Atlântico nasceu dessa força inexplicável que o esporte tem de atravessar fronteiras. A protagonista é a Julia Lyandrush, uma jovem russa que vive em meio à guerra, às dificuldades e à distância, mas encontra no futebol um elo inesperado com o Brasil. Ela torce pelo Palmeiras e essa paixão vira uma espécie de refúgio, uma válvula de escape, mas também um símbolo de união entre nações tão distantes. É fascinante perceber o quão grande e importante pode ser o esporte. É identidade, esperança e até resistência. A ideia veio exatamente disso: do poder que o amor pelo futebol tem de transformar vidas e aproximar mundos que, à primeira vista, parecem não ter nada em comum.
Por que esse tema é importante pra você, e por que você acredita que ele terá relevância internacional?
Esse tema é importante pra mim porque fala de algo universal: a paixão. Pode ser pelo esporte, pela arte, pela música… todos nós temos algo que nos move e que nos conecta a outros. No caso de Além do Atlântico, o futebol é esse fio condutor, mas o que está por trás é muito maior: é sobre pertencimento, identidade, sobre encontrar força em meio às adversidades. Eu acredito que a relevância internacional vem justamente daí. Pessoas em qualquer lugar do mundo conseguem se enxergar nesse sentimento. Não é apenas um documentário sobre torcer para um time, mas sobre como essa paixão pode atravessar guerras, fronteiras e unir culturas tão distintas.
Você já pensou em como o público vai assistir ao documentário — streaming, festivais, cinema?
Eu aposto muito que os torcedores do Palmeiras vão ser os primeiros a se conectar com essa história, porque existe uma identificação imediata. Mas o objetivo é maior: quero qualificar o documentário em festivais, buscar esse reconhecimento artístico e depois trabalhar para que ele também chegue aos cinemas em sessões comerciais. Por fim, a ideia é que o filme encontre seu espaço em uma plataforma de streaming, onde poderá alcançar um público ainda mais amplo e diverso.
Quais são seus próximos planos além desse documentário? Quais outros projetos você gostaria de desenvolver no futuro?
Meu objetivo é continuar explorando novas formas de narrativa e aprofundando histórias que realmente conectem com o público. Ao mesmo tempo, sigo avançando na produção dos longas-metragens que já estão em andamento, buscando expandir meu olhar como cineasta e levar cada vez mais longe as histórias que quero contar.
O que te motiva a continuar, especialmente nos momentos de dificuldade?
O que me motiva a continuar são as pessoas que sempre estiveram ao meu lado: meus pais, minha companheira, meus irmãos, minhas tias e amigos próximos. Eles sempre acreditaram no meu potencial, e continuam acreditando até hoje. Os desafios sempre aparecem, são constantes, mas o carinho e o apoio deles funcionam como combustível para seguir em frente. Além disso, minha maior motivação é continuar lutando pelo sonho que carrego desde a infância: ele me guia todos os dias, me inspira e me mantém acreditando no caminho que escolhi.
Que conselhos você daria para jovens cineastas brasileiros que estão começando, especialmente com ideias ambiciosas ou projetos internacionais?
Essa é uma área difícil, haverá muitos obstáculos, mas ficar parado não adianta. É fundamental sair da cidade, sair da zona de conforto, buscar lugares que ofereçam mais oportunidades e se movimentar constantemente. Além disso, é muito importante estudar, estar aberto a aprender sempre e acreditar no próprio potencial. As coisas não são fáceis e provavelmente nunca serão. Persistência, atenção, trabalho em equipe (afinal, cinema é uma arte extremamente colaborativa) e vontade de evoluir fazem toda a diferença na realização dos seus projetos.
Entre lembranças da infância, influências que atravessam continentes e a vontade de contar histórias que conectem pessoas, Gabriel Vinícius mostra que seu cinema nasce tanto da paixão pessoal quanto do olhar atento para o mundo. Com Ela Toma Placebo e Além do Atlântico, ele prova que o cinema brasileiro pode ser íntimo, universal e humano ao mesmo tempo.




